Artigos de Jornal
Qualquer uso é melhor que o abandono
Aprendi esta máxima quando fazia doutorado em preservação na Itália. O
Comercio, outrora setor bancário e de exportadores, está em depressão, com
edifícios vazios e donos de salas procurando quem queira pagar o condomínio e o
IPTU. São edifícios relativamente novos, das décadas de 1950 e 1960. Será apenas
omissão dos proprietários, que devem ser criminalizados, ou de políticas
equivocadas, como mudar o centro administrativo e empresarial da cidade? É como
responsabilizar o doente, quando o problema é a falta de saneamento público.
Este esvaziamento atinge também o centro histórico. Ali já foram investidos 175
milhões de dólares, desde 1970, em projetos “achistas”. A criação de um shopping
a céu aberto em 1992, com a expulsão de 2000 famílias, foi um desastre. A área
tinha 11.093 hab. em 1991 e em 2010 baixou para 5.985. Cerca de 1.400 imóveis
estão hoje em ruinas ou periclitantes, segundo a Defesa Civil.
Por que isto ocorre? Desde o final da década de 1970, com o Plandurb, a cidade
não conhece planejamento público. Ninguém avalia o impacto de 140 mil
veículos/dia da ponte SSA-ITA cruzando Salvador em direção ao Litoral Norte, nem
a transferência das estações rodoviária e ferroviária para o limite com Simões
Filho e do Centro de Convenções para a fronteira de Lauro de Freitas. Quem ganha
e quem perde? Ganha o setor imobiliário, que incorporará as áreas da Rodoviária,
Detran, Desenbahia para construção de seus espigões no nó cego de três rodovias
– BR-324, Paralela e BRT – sem espaços públicos e verde. Quem perde é a cidade,
cada vez mais feia e engarrafada, com serviços espalhados, como o judiciário, e
sem identidade.
Não faltam projetos, senão planejamento. A construção do VLT, que virou
monotrilho chinês, articulará o Comercio ao subúrbio ferroviário, não à cidade.
São louváveis as iniciativas da administração municipal passada, de facilitar a
instalação de universidades no Comercio, e da atual de situar ali suas
secretarias. Mas isto só não basta. Monumentos públicos como o Jandaia, Asilo D.
Pedro II e Solar Boa Vista estão abandonados há anos. Em qualquer pais
civilizado não faltaria instituição ou empresa que não quisesse comprar e
restaurar monumentos como esses. Recentemente foi a leilão um quarteirão
requalificado do centro histórico, o Solar Saldanha. Não houve interesse de
ninguém. Num voo de Brasília para Salvador encontrei Jorge Hereda, então
presidente da CEF. Ele me disse que gostaria de instalar em Salvador um centro
cultural maior do que o da Av. Carlos Gomes. Sugeri o Liceu e ele argumentou:
mas ele está ocupado por serviços burocráticos do Estado. O abandono dos nossos
monumentos mostra o desapreço da sociedade pela nossa história e pela cultura.
SSA: A Tarde de 12/8/18