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Revisitando a Argentina

  • 02 de Dezembro de 2018

Atendendo a dois compromissos acadêmicos revisitei o país, entre 30/10 e 16/11, pela sexta vez. O primeiro compromisso foi em Córdoba, onde como membro do comitê científico da Red Património Histórico Iberoamericano fiz uma avaliação da nossa política de preservação ao longo dos 80 anos do IPHAN. O segundo foi no Consorcio do Porto de Bahia Blanca, onde expus a criação de um hub-porto em Salinas da Margarida como terminal da ferrovia Atlântico/Pacífico. Aproveitei o tempo livre entre os dois eventos para rever a principal metrópole sul-americana e conhecer as imperdíveis cidades de Calafate e seus glaciares e Ushuaia, no Canal de Beagle, com seu lendário farol-do-fim-do-mundo.

Apesar da profunda crise econômica culminada pela política neoliberal de Macri, a sociedade argentina tem uma distribuição de renda semelhante à europeia, resultado de conquistas do ativismo político, o que nos permite andar por suas cidades à noite com segurança, sem ver policiais nas esquinas, “caveirões” e o exército nas ruas. Mas no consulado geral da Itália as filas dão a volta ao quarteirão e nos nossos semáforos argentinos pobres fazem malabarismos para sobreviver. A inflação projetada é de 42% ao ano e a taxa de juros do Banco Central de 40%, a mais alta do mundo.

Lamentável situação de um país que já foi o mais rico do continente como demonstram sua rede de metrô de 1913, a única sucursal da loja britânica Harolds (1914) e os antiquários de Santelmo. Apesar de todas as nossas mazelas o peso argentino, que foi paritário ao real, vale hoje nove vezes menos. Temos reservas externas de US$380 bilhões, enquanto Macri pede ao FMI US$50 bilhões para fechar as contas dos próximos três anos e se sujeitar aos interesses dos grupos financeiros internacionais.

Em artigo publicado em La Nación, de 4/11/18, o historiador Luís Alberto Romero mostra a trama tecida entre civis e militares em momentos de crise econômica e política, que resultaram em sete “movimentos”, como diria Toffoli, entre 1930 e 1976. Desde esse último, em que desapareceram cerca de 30.000 pessoas e que teve como epílogo a bravata e o fiasco da Guerra das Malvinas, em 1982, os militares se recolheram aos quarteis. O historiador conclui seu artigo dizendo: “Nos nossos 35 anos de democracia, a presença de militares na política tem sido excepcional e limitada – Aldo Rico, Bussi, Milani – e um golpe militar é inverossímil. Porém, em compensação, temos experiencias de presidentes renunciantes e golpes brancos, e esta alternativa não se pode descartar. Um otimista diria nunca mais os golpes militares interferirão na nossa democracia. Um pessimista acrescentaria: os civis podem fazê-lo sós. Essa é hoje a questão” (tradução do autor).

SSA: A Tarde de 2/12/18


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