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“Milonga de Los Morenos”
Meu artigo “Revisitando a Argentina” (16/12) foi curtido por 83 leitores do
Facebook, inclusive oito argentinos, de lá e daqui. A única discordância foi de
um brasileiro, mas o Prof. Ramon Gutierrez afirmou: “Parece que hubieras estado
viviendo aqui, porque has captado el estado de la cuestion”.
Interessante foi a pergunta formulada por Osvaldo Magalhães citando Leo
Gerchmann em Los afro-argentinos, sobre o desaparecimento deles no país e os
apartes de Carlos Pronzato e Nelson Cerqueira sobre a negritude do tango. É
exagerado afirmar que há 200 anos os negros eram mais de 30% da população de
Buenos Aires. Talvez este equivoco resulte do fato de terem entrado por Buenos
Aires muitos escravos para as minas de Potosi, Bolívia. A Argentina nunca teve
plantações de cana, tabaco ou algodão, como o Brasil, o Caribe e os EUA, mas
teve escravos domésticos. Ainda hoje as domesticas são conhecidas como
“mucamas”. Atualmente os afro-argentinos são cerca de 3 a 4% concentrados em
Corrientes, Entre Rios e Missiones.
O antropólogo Daniel Schavelzon encontrou cerâmicas e objetos de culto vodu em
Buenos Aires e sabe-se que existiu um mercado de escravos no Retiro. Ele
assinala muitas vozes de origem africana no lunfardo, dialeto do porto de Buenos
Aires, que mistura espanhol, italiano e português, como: mandinga, milonga, mina
(mulher), mondongo (vísceras do boi), mucama, quilombo e tamango (tamanco),
palavras de origem quimbundo, falado em Angola.
Muitos escravos morreram como “voluntários” nas guerras de independência
(1808-1810) e do Paraguai (1864-1870). Borges, no poema que dá nome a este
artigo, diz: “Alguien pensó que los negros/ no eran ni zurdos ni ajenos/ y se
formó el Regimiento/ de Pardos y de Morenos… Más bravo que gallo inglés”. O
primeiro presidente argentino, que resistiu á invasão inglesa de 1808 e lutou na
Independência, Bernardino Rivadavia,1826-27, era mulato de cabelos crespos.
Essas foram contribuições muito importantes a formação da nação argentina. Além
dos mortos, muitos se exilaram no Uruguai, que libertou os escravos em 1842, dez
anos antes da Argentina.
Escravos brasileiros fizeram o mesmo no fim da Guerra do Paraguai (1870) , pois
o Brasil foi o último país a libertá-los, em 1888. A influência deles na
comunidade negra uruguaia é evidente, com o candombe, ritual de coroação dos
reis do Congo, semelhante à nossa congada e ao maracatu e o desfile de carnaval,
que não existia na cultura hispânica. Esse é um episódio pouco estudado no
Brasil.
Mas a maior contribuição dos negros à Argentina foi o tango, que teria origem no
candombe, semente da milonga e essa do tango. Sua denominação é incerta, pode
vir do tambor tangó ou tambó usado no candombe, originaria do Congo, onde
significa encontro e festa, ou de influência brasileira com o verbo “tanger” ou
tocar.
SSA: A Tarde de 30/12/18