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A história em processo

  • 05 de Maio de 2019

É muito difícil contar a história enquanto ela está acontecendo. A guinada de 180º ocorrida nas eleições de 2018 vai consumir muito tempo de cientistas políticos, historiadores e sociólogos para interpretá-la. A virada de 2003 ocorreu depois de 14 anos de gestação e o candidato de esquerda só venceu na quarta tentativa. A de 2018 explodiu em três meses. As explicações correntes são os fake news e a corrupção no PT. Mas por que um partido com mais seguidores e estrutura que o PSL, não venceu? Para um cientista social a questão é bem mais complicada, ela estaria relacionada à crise econômica, à ascensão de camadas sociais com outros valores, à expansão das igrejas evangélicas, ao fortalecimento dos lobbies, à insegurança urbana etc.

A principal fonte da história em processo são matérias publicadas na mídia. A do momento é a recente entrevista de Lula a El País e à Folha de São Paulo. Lula se comportou mais como um observador participante, que como um preso deprimido e ressentido. Analisa o processo político brasileiro nos últimos 16 anos em que ele foi um dos protagonistas. Diz que tirou o Brasil da recessão e do endividamento fazendo a acumulação e a distribuição da renda, ao mesmo tempo. Contesta que o projeto da Previdência vá zerar o déficit fiscal e tirar o país da recessão. Para ele, só a distribuição da renda pode reativar a economia. Dá mais peso aos movimentos sociais e políticos que a ação de protagonistas, só comentando eles quando provocado. Não contesta a eleição de Bolsonaro, e tenta explicar a derrota do PT pela desunião da esquerda e enfraquecimento do movimento sindical que é hoje muito diferente dos anos 80 e precisa ser reinventado. O PT perdeu uma eleição, mas continua vivo. Quem desapareceu foi o PSDB.

Ele não pensa em se suicidar e nem trocar sua dignidade pela liberdade, porque tem a obsessão de desmascarar o ex-juiz Moro e provar sua inocência. Sobre a vida na prisão afirmou: “É engraçado porque eu sempre tive vontade de morar sozinho... hoje faço isso...mas eu curto a solidão, tentando aprender, mentalizar minha espiritualidade, tentando gostar mais do ser humano, tentar ficar um pouco mais humano. Eu acho que eu vou sair daqui melhor do que eu entrei”. O leitor pode não acreditar na fala de Lula, mas não que ele está esclerosado, como supõe Dória.

Tanto assim, que o site de El País bateu recorde de audiência e aqui a entrevista viralizou com dez milhões de acessos. O que mais irritou os governistas foi ele dizer que “o Brasil é governado por um bando de maluco”. Não por acaso a frase virou manchete de jornais como New York Times, Washington Post, Le Monde, Le Fígaro e Clarin, que já não se surpreendem com declarações empoladas e desarticuladas de ministros e do guru/astrólogo oficial e seus acólitos.

SSA: A Tarde de 5/5/2019


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