Artigos de Jornal
Do urbanismo demolidor ao desflorestador
A expressão “urbanismo demolidor” foi cunhada pelo medievalista belga Henri
Pirenne como crítica às reformas urbanas que se faziam em Paris e Viena, na
segunda metade do século XIX, com a demolição das antigas muralhas e aberturas
de novas vias para reprimir rapidamente levantes populares. Mas, justiça se
faça, o urbanismo demolidor criou belíssimos bolívares com muito verde e
conjuntos de arquitetura iluminista, como o belo Champs Élysées de Paris.
Haussmann foi imitado por Pereira Passos nanicamente no Rio de Janeiro, e por
Seabra, em Salvador. Reformas estetizantes do poder público, quando o capital
ainda não havia se apropriado das cidades.
Na primeira metade dos anos 40, Salvador sofreu uma reforma virtual, o Plano
EPUCS, inspirado nos princípios dos Congressos Internacionais de Arquitetura
Moderna. Sua única realização foi a bela Av. Centenário. Mas a ideia das
avenidas de vale iria inspirar a reforma radical e improvisada dos anos 70 de
ACM que mudou a centralidade da urbe e concentrou no Iguatemi, sem uma praça, os
dois principais acessos da cidade: a BR-324 e a Estrada do Coco/Paralela. De
qualquer modo, ACM criou bolívares e avenidas com canteiros centrais generosos,
hoje desflorestados. Onde foram replantadas os milhares de arvores frondosas
cortadas? Palmeirinhas não sombreiam.
Durante a ditadura, se elaborou no Rio de Janeiro o Plano Doxiadis (1965) com
403 km de vias expressas elevadas e coloridas, uma exaltação do carro privado e
do concreto armado, construídas progressivamente. Para alegria das empreiteiras
e governantes, fazer viadutos rodoviários dentro das cidades, ligando um ponto
congestionado a outro, virou moda. Salvador tem 29 viadutos sem conservação e
muitos inúteis, como os dois da Fonte Nova, o da Muriçoca e o em frente de A
Tarde. Em Brasília, Rio e Belo Horizonte viadutos estão caindo e matando gente.
Assisti, recentemente, a apresentação de um estudo sobre o Minhocão Paulistano.
Por onde ele passou destruiu tudo, eliminando a arborização, tirando a
privacidade dos apartamentos e escritórios, criando um verdadeiro mafuá de
drogados e sem-tetos sob sua pista, depreciando os imóveis marginais e mudando a
composição social de sua vizinhança. No Rio são frequente os bloqueios e
assaltos nas vias expressas.
Não obstante essas experiencias, se continua fazendo metrôs elevados e minhocões
em nossa cidade, destruindo o verde das avenidas de vale, o legado bom de Tony
bad boy, como traduzia para seus leitores um correspondente de jornal americano.
Arrepio-me quando antevejo estações de transporte de massa aéreas sombreando
avenidas na Pituba e no Comércio e o anúncio da extensão do metrô do Campo
Grande à Barra. Será pelo Corredor da Vitória ou pela Av. Centenário, a pretexto
de ser modernoso, mais barato e criar empregos?
SSA: A Tarde de 8/9/19