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Parasita: a metáfora e a realidade

  • 08 de Março de 2020

O ano de 2019 produziu excelentes filmes, mas “Parasita” mereceu o Oscar. Que semelhanças existem entre um país pequeno exportador de alta tecnologia, com a Hyundai e a Sansung, e o Brasil, gigante adormecido, exportador de commodities sem tecnologia nem valor agregado? É isso o que o filme sul coreano revela: alto desemprego, bairros alagados, mendigos urinando nas ruas e o fumacê para matar insetos. Explicação: ambos têm o mesmo modelo econômico concentrador de renda.

A trama do filme é a relação de uma família rica numa mansão e outra pobre, desempregada em um cubículo de porão com aspiração de subir à superfície. O diretor do filme, Joon-ho Bong, faz um paralelo entre a estratificação social do país e da mansão de luxo. Os do alto são alienados e ingênuos e não percebem a tensão que existe nas ruas e porões.

No Brasil a pirâmide social está de ponta cabeça, os ricos vivem nas praias e os pobres nos penhascos, mas a pirâmide invertida pode desabar a qualquer instante. Para subir, a família pobre se infiltra na rica e usa todas as artimanhas para sair do buraco. O filho caçula não quer só chegar ao térreo, quer ser rico e casar com a filha do alto, de quem é explicador. Mas o pai diz: “trace um plano e o mundo fará dar errado”. E foi o que aconteceu. O sonho termina com uma explosão de barbárie numa festa alegre na mansão.

O filme é uma metáfora global. A luta de classe através de greves de sindicalizados acabou com a chegada da quarta revolução industrial e do capitalismo tardio, que explodiu as relações de trabalho, expandindo o exercito de subempregados, informais, desalentados e marginalizados. Não há mais sindicatos para negociar. O popular celular é a nova arma de mobilização da massa de “indignados” nas ruas da Espanha, dos coletes amarelos na França e dos nossos caminhoneiros.

O conflito de classe não é mais negociável, mas explosivo e cego, de párias versus “establishiment” anônimo. No Brasil, marginais e ex-policiais formam milícias que disputam o poder entre si para dominarem favelas aonde não chega o estado de “parasitas”, que se quer reduzir. Para ser visto pelos alienados, Bong dirige o filme como entretenimento tragicômico, com sequências caricaturais, hilárias e de suspense que conduzem a um desfecho trágico de advertência: a explosão de barbárie pode acontecer em qualquer lugar e momento.

Em Salvador na execução de quatro uberistas inocentes, em São Paulo de uma família pela filha e amigos e no Ceará na execução de 312 cidadãos em 13 dias no levante de policiais mal pagos. Bong não esboça explicações nem soluções. Não é esta a função da arte, mas insinua que as artimanhas e a barbárie não são o caminho para resolver o conflito social, Na cena final, a família rica é morta e a pobre volta ao porão.

SSA: A Tarde, 08/03/2020


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