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Parasita: a metáfora e a realidade
O ano de 2019 produziu excelentes filmes, mas “Parasita” mereceu o Oscar. Que
semelhanças existem entre um país pequeno exportador de alta tecnologia, com a
Hyundai e a Sansung, e o Brasil, gigante adormecido, exportador de commodities
sem tecnologia nem valor agregado? É isso o que o filme sul coreano revela: alto
desemprego, bairros alagados, mendigos urinando nas ruas e o fumacê para matar
insetos. Explicação: ambos têm o mesmo modelo econômico concentrador de renda.
A trama do filme é a relação de uma família rica numa mansão e outra pobre,
desempregada em um cubículo de porão com aspiração de subir à superfície. O
diretor do filme, Joon-ho Bong, faz um paralelo entre a estratificação social do
país e da mansão de luxo. Os do alto são alienados e ingênuos e não percebem a
tensão que existe nas ruas e porões.
No Brasil a pirâmide social está de ponta cabeça, os ricos vivem nas praias e os
pobres nos penhascos, mas a pirâmide invertida pode desabar a qualquer instante.
Para subir, a família pobre se infiltra na rica e usa todas as artimanhas para
sair do buraco. O filho caçula não quer só chegar ao térreo, quer ser rico e
casar com a filha do alto, de quem é explicador. Mas o pai diz: “trace um plano
e o mundo fará dar errado”. E foi o que aconteceu. O sonho termina com uma
explosão de barbárie numa festa alegre na mansão.
O filme é uma metáfora global. A luta de classe através de greves de
sindicalizados acabou com a chegada da quarta revolução industrial e do
capitalismo tardio, que explodiu as relações de trabalho, expandindo o exercito
de subempregados, informais, desalentados e marginalizados. Não há mais
sindicatos para negociar. O popular celular é a nova arma de mobilização da
massa de “indignados” nas ruas da Espanha, dos coletes amarelos na França e dos
nossos caminhoneiros.
O conflito de classe não é mais negociável, mas explosivo e cego, de párias
versus “establishiment” anônimo. No Brasil, marginais e ex-policiais formam
milícias que disputam o poder entre si para dominarem favelas aonde não chega o
estado de “parasitas”, que se quer reduzir. Para ser visto pelos alienados, Bong
dirige o filme como entretenimento tragicômico, com sequências caricaturais,
hilárias e de suspense que conduzem a um desfecho trágico de advertência: a
explosão de barbárie pode acontecer em qualquer lugar e momento.
Em Salvador na execução de quatro uberistas inocentes, em São Paulo de uma
família pela filha e amigos e no Ceará na execução de 312 cidadãos em 13 dias no
levante de policiais mal pagos. Bong não esboça explicações nem soluções. Não é
esta a função da arte, mas insinua que as artimanhas e a barbárie não são o
caminho para resolver o conflito social, Na cena final, a família rica é morta e
a pobre volta ao porão.
SSA: A Tarde, 08/03/2020