Artigos de Jornal
A Covid-19 e o sucateamento industrial
A industrialização do país arrancou durante a II Guerra, sem a concorrência
internacional. Até 1989 tinhamos uma política de substituição de importações e
desenvolvimento, com a fundação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social, BNDES, em 1952, e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, CADE,
em 1962. A partir de Collor aderimos ao neoliberalismo da Escola de Chicago com
a abertura indiscriminada das importações.
Grandes empresas estatais, de serviços públicos e privadas foram adquiridas pelo
capital internacional a preços de banana. A Vale foi vendida por R$3,3 bilhões,
ou duas Coelbas. E o que é mais grave, essas alienações foram aprovadas pelo
CADE e financiadas pelo BNDES. Importamos hoje, não só produtos de luxo e alta
tecnologia, como até artesanato: vestiário, sombrinhas, brinquedos e verduras
congeladas. A nossa ultima grande indústria foi comprada pela Boeing.
Na década de 1970 a indústria ocupava 30% da mão de obra brasileira e hoje,
menos de 10%. Segundo o Instituto de Estudos de Desenvolvimento IndustriaI, que
rastreou a economia de 30 países nos últimos 50 anos, o Brasil é o terceiro
colocado em desindustrialização. Em 2016, a ONU advertia que o Brasil estava em
processo de desindutrialização precoce e acelerado.
Com as nossas favelas vamos ter, provavelmente, mais infectados pela Convid-19
que a Itália e os EUA e não fabricamos testes, mascaras, luvas, óculos e
macacões em escala industrial como necessitam os médicos. Basta comparar a
blindagem dos colegas da China e da Europa com os aventais de nossos abnegados
kamikase que atacam a peste. Na Itália 80 médicos já morreram. Não fabricamos
respiradores, nem podemos obrigar a GM e a Ford a produzi-los, porque não são
nacionais. Tudo deve ser importado.
De Gaulle dizia que toda empresa que por natureza é monopolista devia ser
estatal. A próxima empresa a ser leiloada por Guedes é a Eletrobrás, que
controla toda a energia do país. Nos EUA a Enron foi um desastre. Vamos pagar a
luz em função do valor do Kw mundial e variação do dólar, como já fazemos com o
petróleo do pré-sal, o etanol e as carnes que produzimos.
Estamos voltando à condição colonial. Mas naquela época a Metrópole exportava
produtos nobres: ouro e açúcar, que chegou a ser presente de príncipes. Hoje
exportamos comodites sem valor agregado: minério de ferro, óleo cru, soja, café
e carnes. Com os novos acordos comerciais vamos vender comodities com taxa zero
para os ricos transformarem em produtos de alto valor, que serão importados sem
impostos. Quando Trump viu que os EUA estavam sendo invadidos pelos produtos
orientais, abandonou o livre-comércio e impôs cotas, sobretaxas e intervenções
em empresas. Em 2019, o nosso governo zerou a taxa de importação de 2.300
produtos. Em plena quarta revolução industrial voltamos a era pré-industrial e à
dependência colonial.
SSA: A Tarde, de 05/04/2020