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Classicismo Brasileiro Revisitado

  • 03 de Junho de 2000

O arquiteto e professor paraibano Alberto Souza lançou no último dia 17 na Academia de Letras da Bahia um livro que resgata a verdadeira dimensão da contribuição do Nordeste na elaboração de uma das mais incompreendidas expressões da arquitetura brasileira. Em O Classicismo Arquitetônico no Recife Imperial o autor, mestre pela Universidade de Edimburgo e doutor pela Universidade de Paris I, demonstra o papel do Recife nesse processo, ao tempo que deflagra uma revisão critica da historiografia do movimento no pais.
O Neoclassismo, de inspiração iluminista, representou um dos cumes da história da arte européia, em especial da arquitetura. Momento de retorno a racionalidade e a disciplina, depois do furacão sensorial e passional do Barroco. É a partir dele que se lança as bases de uma nova postura sobre arquitetura do passado e do presente, através da instituição dos primeiros cursos profissionais, da criação de uma disciplina distinta da história, a crítica da arquitetura, e da elaboração das primeiras teorias sobre a conservação e restauração dos monumentos. O mesmo fenômeno se repetiria no país, ainda que com atraso com relação à Europa. Só a partir desse momento nos libertamos dos vínculos coloniais na arquitetura, sem porém provocar uma rotura, senão uma fusão e superação.
O movimento chegaria ao Brasil por mais de um porto. Numa primeira fase, ainda na forma de desenhos de transição entre o Rococó e o Neoclássico, durante a segunda metade do século XVIII. Este é o caso da fachada da igreja da Conceição da Praia de Salvador e da obra do italiano Antônio Landi, em Belém do Pará. Mas o Neoclássico se afirmaria de forma explicita e vigorosa na transição do século XVIII para o XIX na Bahia no cemitério da igreja do Pilar de 1799 e com a construção, entre 1814 e 1816, do excepcional Paço da Associação Comercial da Bahia, de autoria engenheiro militar português Cosme Damião da Cunha Fidié, com passagem pela Inglaterra, onde o estilo florescia.
Para a historiografia arquitetônica oficial, porém, estes são meros antecedentes locais, pois a difusão do estilo no país só se faria com a chegada da Missão Francesa e a partir do Rio de Janeiro, com a obra de dois de seus professores, Granjean de Montigny e Pézerat. A “escola carioca” seria assim a responsável, não só pela difusão do Neoclássico no país, como do Modernismo, um século mais tarde. Este olhar centralista e simplista não corresponde à realidade de um pais da extensão e diversidade cultural do Brasil, como demonstram trabalhos recentes sobre o último movimento.
O livro de Alberto Sousa, que já havia nos brindado com Arquitetura Neoclássica Brasileira: Um Reexame (S. Paulo: Pini, 1995), contribui para romper com esta visão estreita, mostrando a força do movimento na província, em particular no Recife Imperial, com a obra do francês Louis Vauthier e dos brasileiros Mamede Ferreira e Tibúrcio Magalhães. O autor propõe, inclusive, uma nova periodização e conceituação do que genericamente se chamou de Neoclassicismo Brasileiro. Para ele esta denominação se aplicaria apenas a produção realizada até a segunda década do século passado, fortemente influenciada pela Europa. A partir daquele período, se consolida uma produção relativamente homogênea resultante da fusão de tradições luso-brasileiras e formulas classicistas européias, notadamente renascentistas italianas. Esta reinterpretação original da linguagem classicista, no país, dominante no Segundo Reinado em todo o país, deve, segundo ele, ser denominada de Classicismo Imperial Brasileiro. Esse movimento, por outro lado, não pode ser confundido com o “revival” classicisante do inicio deste século, melhor enquadrado no Ecletismo.
Recife, em grande expansão naquele período, é sem duvida o segundo polo brasileiro do Classicismo Imperial, logo após a Capital do pais. O estilo seria utilizado não só nos grandes equipamentos comunitários, como na arquitetura doméstica formando extensos conjuntos urbanos. A Bahia, porém, não ficava muito atrás. Só que o Classicimo na Bahia parece se inspirar diretamente na Europa, até pelo menos meados do século passado, como comprovam o antigo Solar Machado, atual Asilo D. Pedro II, e o Hospital Santa Isabel, iniciado em 1828, sob o risco do alemão Carlos Augusto Weyll. Da mesma linhagem é a antiga Alfândega, hoje Mercado Modelo, de autoria do polonês André Przewpdowski, cujas obras foram iniciadas em 1843, mas só concluídas duas décadas mais tarde.
O Classicismo de sabor brasileiro só se firmaria na Bahia na segunda metade do século e em especial na arquitetura domestica. Entre os grandes monumentos destaca-se o Asilo Santa Isabel, iniciado em 1848, sob risco do Ten. Cel João Bloem, brasileiro do Rio Grande do Sul. Mas mesmo uma obra de 1864, de autor desconhecido, como o antigo Hospital Português com seu belo jardim, denuncia forte influencia italiana, notadamente das vilas de Palladio. Não podemos também esquecer a contribuição dessa linguagem para o “decor” de nossas igrejas e salões. Estas e outras questões precisam ser esclarecidas com estudos sistemáticos como o de Alberto Sousa sobre o Recife.
A história deste livro é outra estória. Rejeitado pelas grandes editoras e pelas instituições mais beneficiadas pelo estudo, a Prefeitura do Recife, a Universidade Federal de Pernambuco e o Instituto Joaquim Nabuco, sua publicação só foi possível graças a sensibilidades do provedor da Fundação João Fernandes da Cunha e da reitoria da Universidade Federal da Paraíba, da qual o autor é professor titular. Resgatam assim, a fundação baiana e a universidade paraibana, através da sua divulgação, um patrimônio que não é só pernambucano, mas fundamentalmente nordestino e brasileiro.

SSA: A Tarde, 03/06/2000
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Estou encaminhando para eventual publicação resenha do livro: SOUZA, Alberto: O Classicismo Arquitetônico no Recife Imperial. João Pessoa: Editora Universitária UFPB; Salvador: Fundação João Fernandes da Cunha, 226 p.,
 


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