Artigos de Jornal
Classicismo Brasileiro Revisitado
O arquiteto e professor paraibano Alberto Souza lançou no último dia 17 na
Academia de Letras da Bahia um livro que resgata a verdadeira dimensão da
contribuição do Nordeste na elaboração de uma das mais incompreendidas
expressões da arquitetura brasileira. Em O Classicismo Arquitetônico no Recife
Imperial o autor, mestre pela Universidade de Edimburgo e doutor pela
Universidade de Paris I, demonstra o papel do Recife nesse processo, ao tempo
que deflagra uma revisão critica da historiografia do movimento no pais.
O Neoclassismo, de inspiração iluminista, representou um dos cumes da história
da arte européia, em especial da arquitetura. Momento de retorno a racionalidade
e a disciplina, depois do furacão sensorial e passional do Barroco. É a partir
dele que se lança as bases de uma nova postura sobre arquitetura do passado e do
presente, através da instituição dos primeiros cursos profissionais, da criação
de uma disciplina distinta da história, a crítica da arquitetura, e da
elaboração das primeiras teorias sobre a conservação e restauração dos
monumentos. O mesmo fenômeno se repetiria no país, ainda que com atraso com
relação à Europa. Só a partir desse momento nos libertamos dos vínculos
coloniais na arquitetura, sem porém provocar uma rotura, senão uma fusão e
superação.
O movimento chegaria ao Brasil por mais de um porto. Numa primeira fase, ainda
na forma de desenhos de transição entre o Rococó e o Neoclássico, durante a
segunda metade do século XVIII. Este é o caso da fachada da igreja da Conceição
da Praia de Salvador e da obra do italiano Antônio Landi, em Belém do Pará. Mas
o Neoclássico se afirmaria de forma explicita e vigorosa na transição do século
XVIII para o XIX na Bahia no cemitério da igreja do Pilar de 1799 e com a
construção, entre 1814 e 1816, do excepcional Paço da Associação Comercial da
Bahia, de autoria engenheiro militar português Cosme Damião da Cunha Fidié, com
passagem pela Inglaterra, onde o estilo florescia.
Para a historiografia arquitetônica oficial, porém, estes são meros antecedentes
locais, pois a difusão do estilo no país só se faria com a chegada da Missão
Francesa e a partir do Rio de Janeiro, com a obra de dois de seus professores,
Granjean de Montigny e Pézerat. A “escola carioca” seria assim a responsável,
não só pela difusão do Neoclássico no país, como do Modernismo, um século mais
tarde. Este olhar centralista e simplista não corresponde à realidade de um pais
da extensão e diversidade cultural do Brasil, como demonstram trabalhos recentes
sobre o último movimento.
O livro de Alberto Sousa, que já havia nos brindado com Arquitetura Neoclássica
Brasileira: Um Reexame (S. Paulo: Pini, 1995), contribui para romper com esta
visão estreita, mostrando a força do movimento na província, em particular no
Recife Imperial, com a obra do francês Louis Vauthier e dos brasileiros Mamede
Ferreira e Tibúrcio Magalhães. O autor propõe, inclusive, uma nova periodização
e conceituação do que genericamente se chamou de Neoclassicismo Brasileiro. Para
ele esta denominação se aplicaria apenas a produção realizada até a segunda
década do século passado, fortemente influenciada pela Europa. A partir daquele
período, se consolida uma produção relativamente homogênea resultante da fusão
de tradições luso-brasileiras e formulas classicistas européias, notadamente
renascentistas italianas. Esta reinterpretação original da linguagem
classicista, no país, dominante no Segundo Reinado em todo o país, deve, segundo
ele, ser denominada de Classicismo Imperial Brasileiro. Esse movimento, por
outro lado, não pode ser confundido com o “revival” classicisante do inicio
deste século, melhor enquadrado no Ecletismo.
Recife, em grande expansão naquele período, é sem duvida o segundo polo
brasileiro do Classicismo Imperial, logo após a Capital do pais. O estilo seria
utilizado não só nos grandes equipamentos comunitários, como na arquitetura
doméstica formando extensos conjuntos urbanos. A Bahia, porém, não ficava muito
atrás. Só que o Classicimo na Bahia parece se inspirar diretamente na Europa,
até pelo menos meados do século passado, como comprovam o antigo Solar Machado,
atual Asilo D. Pedro II, e o Hospital Santa Isabel, iniciado em 1828, sob o
risco do alemão Carlos Augusto Weyll. Da mesma linhagem é a antiga Alfândega,
hoje Mercado Modelo, de autoria do polonês André Przewpdowski, cujas obras foram
iniciadas em 1843, mas só concluídas duas décadas mais tarde.
O Classicismo de sabor brasileiro só se firmaria na Bahia na segunda metade do
século e em especial na arquitetura domestica. Entre os grandes monumentos
destaca-se o Asilo Santa Isabel, iniciado em 1848, sob risco do Ten. Cel João
Bloem, brasileiro do Rio Grande do Sul. Mas mesmo uma obra de 1864, de autor
desconhecido, como o antigo Hospital Português com seu belo jardim, denuncia
forte influencia italiana, notadamente das vilas de Palladio. Não podemos também
esquecer a contribuição dessa linguagem para o “decor” de nossas igrejas e
salões. Estas e outras questões precisam ser esclarecidas com estudos
sistemáticos como o de Alberto Sousa sobre o Recife.
A história deste livro é outra estória. Rejeitado pelas grandes editoras e pelas
instituições mais beneficiadas pelo estudo, a Prefeitura do Recife, a
Universidade Federal de Pernambuco e o Instituto Joaquim Nabuco, sua publicação
só foi possível graças a sensibilidades do provedor da Fundação João Fernandes
da Cunha e da reitoria da Universidade Federal da Paraíba, da qual o autor é
professor titular. Resgatam assim, a fundação baiana e a universidade paraibana,
através da sua divulgação, um patrimônio que não é só pernambucano, mas
fundamentalmente nordestino e brasileiro.
SSA: A Tarde, 03/06/2000
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Estou encaminhando para eventual publicação resenha do livro: SOUZA, Alberto: O
Classicismo Arquitetônico no Recife Imperial. João Pessoa: Editora Universitária
UFPB; Salvador: Fundação João Fernandes da Cunha, 226 p.,