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A estranha lógica financeira dos bancos

  • 31 de Julho de 2016

O gerente de um grande banco resumiu para mim a política da instituição: “nós emprestamos para quem não precisa e cobramos de quem não tem como pagar”. E exemplificou: quando um cliente vem saudar um empréstimo, nós perguntamos por que isso, agora que dobramos o teto de seu crédito? Com vistas ao cumprimento das nossas metas financeiras, o convencemos que com esse credito extra ele pode comprar um veleiro, uma casa em Parati ou um apartamento para renda. Foi esta lógica que provocou a crise mundial de 2008, deflagrada pelo Lehman Brother, um dos maiores bancos americanos. Num dos oito documentários sobre a crise, uma prostituta compra cinco apartamentos e não tem como pagar um. A reação do governo liberal americano foi reestatizar as duas maiores agências de crédito imobiliário, a Fannie Mae e a Freddie Mac, privatizadas em 1968.

A Caixa Econômica da Corte foi criada pelo Imperador Pedro II em 1861 para estimular a poupança interna concedendo empréstimos sob penhora com garantia do governo. Visava com isto combater a extorsão dos bancos privados. No princípio a Caixa tinha como alvo as camadas mais pobres do país, até escravos, que a utilizavam para comprar sua alforria. Na República passou a financiar a casa própria da classe média, mas com o fechamento do BNH herdou os programas de habitação social e saneamento urbano. Agora parece aderir ao modelo perigoso do Lehman Brother, ao anunciar que vai financiar imóveis para quem não precisa. Não dá para entender que um banco que se nutre de recursos públicos do FGTS, PIS, FIES, Bolsa Família e loterias, e que declara que sua missão é a promoção da cidadania e o desenvolvimento sustentável do país, haja como um banco privado, financiando apartamentos de luxo, visando apenas o lucro.

No outro extremo, o programa Minha Casa Minha Vida é, com poucas exceções, um fracasso urbanístico. Não consegue promover a integração social, senão conjuntos sem equipamentos sociais, quando não violentos, como a Cidade de Deus, do antigo BNH, no Rio de Janeiro, tema de um filme denuncia de repercussão internacional. Não é a prefeitura, sem planejamento, que determina a localização desses conjuntos, senão o empresário que escolhe o terreno mais barato, sem infraestrutura e distante da cidade, para implantar o conjunto. Quase sem exceção, a prefeitura aceita e a Caixa financia.

Neste campo, só temos involuído. Os primeiros conjuntos habitacionais construídos pelos institutos de aposentadoria e pensões, IAPs, e pela Fundação da Casa Popular, na década de 1950, eram concebidos pelos que iam morar, como “Unidades de Habitação”, com creche, parque infantil, escola, centro comercial e arborização. A maioria desses conjuntos funciona, ainda hoje, exemplarmente, especialmente no Sudeste e no Sul, onde foram construídos os maiores.

O Minha Casa Minha Vida está aumentando o esgarçamento de nossas cidades e a segregação sócio-espacial. O efeito disto é a oneração das prefeituras com redes custosas e precárias de infraestrutura e o aumento da violência urbana. Se quisermos combater esses efeitos devemos colmatar os vazios urbanos com conjuntos habitacionais integrais e reurbanizar nossas favelas. O Arq. Paulo Conde, como Secretário de Urbanismo de São Paulo, em 1994, deflagrou este processo no Rio de Janeiro, com o programa Favela Bairro, o que lhe valeu ser eleito prefeito da cidade. Curiosamente esse programa, que está na sua terceira fase, vem sendo financiado pelo BID.

É isto, que um banco público, como a Caixa, deveria financiar em outras cidades, ao invés de apartamentos de luxo. O exemplo carioca foi seguido e aperfeiçoado na Colômbia, onde cidades como Medelín e Bogotá, antes dominadas pelos carteis da droga, conseguiram reduzir a 10% o índice de assassinatos urbanos. Os programas de polícia pacificadora, repressivos e sem inclusão social, fracassaram em todo o país.

SSA: A Tarde, 31/07/2016


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