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A estranha lógica financeira dos bancos
O gerente de um grande banco resumiu para mim a política da instituição: “nós
emprestamos para quem não precisa e cobramos de quem não tem como pagar”. E
exemplificou: quando um cliente vem saudar um empréstimo, nós perguntamos por
que isso, agora que dobramos o teto de seu crédito? Com vistas ao cumprimento
das nossas metas financeiras, o convencemos que com esse credito extra ele pode
comprar um veleiro, uma casa em Parati ou um apartamento para renda. Foi esta
lógica que provocou a crise mundial de 2008, deflagrada pelo Lehman Brother, um
dos maiores bancos americanos. Num dos oito documentários sobre a crise, uma
prostituta compra cinco apartamentos e não tem como pagar um. A reação do
governo liberal americano foi reestatizar as duas maiores agências de crédito
imobiliário, a Fannie Mae e a Freddie Mac, privatizadas em 1968.
A Caixa Econômica da Corte foi criada pelo Imperador Pedro II em 1861 para
estimular a poupança interna concedendo empréstimos sob penhora com garantia do
governo. Visava com isto combater a extorsão dos bancos privados. No princípio a
Caixa tinha como alvo as camadas mais pobres do país, até escravos, que a
utilizavam para comprar sua alforria. Na República passou a financiar a casa
própria da classe média, mas com o fechamento do BNH herdou os programas de
habitação social e saneamento urbano. Agora parece aderir ao modelo perigoso do
Lehman Brother, ao anunciar que vai financiar imóveis para quem não precisa. Não
dá para entender que um banco que se nutre de recursos públicos do FGTS, PIS,
FIES, Bolsa Família e loterias, e que declara que sua missão é a promoção da
cidadania e o desenvolvimento sustentável do país, haja como um banco privado,
financiando apartamentos de luxo, visando apenas o lucro.
No outro extremo, o programa Minha Casa Minha Vida é, com poucas exceções, um
fracasso urbanístico. Não consegue promover a integração social, senão conjuntos
sem equipamentos sociais, quando não violentos, como a Cidade de Deus, do antigo
BNH, no Rio de Janeiro, tema de um filme denuncia de repercussão internacional.
Não é a prefeitura, sem planejamento, que determina a localização desses
conjuntos, senão o empresário que escolhe o terreno mais barato, sem
infraestrutura e distante da cidade, para implantar o conjunto. Quase sem
exceção, a prefeitura aceita e a Caixa financia.
Neste campo, só temos involuído. Os primeiros conjuntos habitacionais
construídos pelos institutos de aposentadoria e pensões, IAPs, e pela Fundação
da Casa Popular, na década de 1950, eram concebidos pelos que iam morar, como
“Unidades de Habitação”, com creche, parque infantil, escola, centro comercial e
arborização. A maioria desses conjuntos funciona, ainda hoje, exemplarmente,
especialmente no Sudeste e no Sul, onde foram construídos os maiores.
O Minha Casa Minha Vida está aumentando o esgarçamento de nossas cidades e a
segregação sócio-espacial. O efeito disto é a oneração das prefeituras com redes
custosas e precárias de infraestrutura e o aumento da violência urbana. Se
quisermos combater esses efeitos devemos colmatar os vazios urbanos com
conjuntos habitacionais integrais e reurbanizar nossas favelas. O Arq. Paulo
Conde, como Secretário de Urbanismo de São Paulo, em 1994, deflagrou este
processo no Rio de Janeiro, com o programa Favela Bairro, o que lhe valeu ser
eleito prefeito da cidade. Curiosamente esse programa, que está na sua terceira
fase, vem sendo financiado pelo BID.
É isto, que um banco público, como a Caixa, deveria financiar em outras cidades,
ao invés de apartamentos de luxo. O exemplo carioca foi seguido e aperfeiçoado
na Colômbia, onde cidades como Medelín e Bogotá, antes dominadas pelos carteis
da droga, conseguiram reduzir a 10% o índice de assassinatos urbanos. Os
programas de polícia pacificadora, repressivos e sem inclusão social,
fracassaram em todo o país.
SSA: A Tarde, 31/07/2016