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A insustentável leveza da ponte

  • 30 de Novembro de 2011

Depois de muitos adiamentos foi anunciado, no último dia 29/09, o consorcio vencedor do projeto da Ponte Salvador/Itaparica. Não foi uma surpresa. Estimada originalmente em R$15 bilhões pelos consórcios pré-selecionados, segundo A Tarde de 19/12/10, a nova versão, que reduziu de dez para seis o numero de faixas, foi orçada pela metade do preço, com tempo de construção de quadro anos. É fácil imaginar que obra desta natureza só tem orçamento e prazo para começar, vide o metrô.

Mas o Governo não desiste. No dia 1º de novembro, anunciou a desapropriação de 52 milhões de metros quadrados, ou 8 mil campos de futebol, na Ilha de Itaparica. A engenharia financeira da ponte não está concluída, mas o Governo já anunciou que o projeto será bancado por um fundo imobiliário à semelhança do adotado no Porto Maravilha, do Rio de Janeiro, e a nova ponte paulistana. Ledo engano. Lá foram vendidos Certificados de Potencial Adicional de Construção – Cepacs que correspondem às nossas Outorgas Onerosas virgens.

Estes solos virtuais só existem aderidos a solos reais. No Rio e em São Paulo, foram aplicados em áreas centrais extremamente valorizadas e que serão hiper-verticalizadas. Por outro lado, diante da crise internacional, da austeridade da nossa Dilma Merkel, e das PPPs da Fonte Nova e do metrô a capacidade de endividamento do Estado é pequena. Com esse dinheirão se erradicaria todas as favelas do estado, segundo estudo da Profa.Ângela Gordilho.

Com um único vão de entrada e uma catraca para passagem de plataformas de petróleo, insuficientes para o vai-e-vem de navios dos portos de Salvador, Aratu, Temadre, S. Roque e terminal de gás, esta ponte será uma barreira fechando uma das maiores, mais belas e produtivas baías do mundo. A sociedade, que irá pagar a conta, quer discutir as razões da ponte.

Quem vai comprar terrenos ou Cepacs em Itaparica sem poder verticalizar? Além do mais, as classes média e alta não querem viver isoladas, sem vida social e cultural, nem boas escolas e hospitais. Niterói e São Gonçalo não são expansões do Rio de Janeiro, senão cidades satélites. Também os operários não vão morar em Itaparica para trabalharem do outro lado da baía, em Salvador, Simões Filho e Camaçari e enfrentar duas vezes por dia uma ponte engarrafada, atalho para caminhões das BRs 116, 101 e 242 que se destinam aos portos de Salvador e Aratu, aeroporto, Cia, Copec, Ford e capitais do Nordeste. Além de ser uma via sem escapes, está sujeita a interrupções imprevisíveis para a passagem de plataformas de petróleo.

Em 1974 foi inaugurada a ponte Rio/Niterói com oito faixas. Era uma ponte para ligar duas cidades e não o Centro-Sul com o Nordeste, como a nossa. Por ali passam hoje 170 mil veículos dia. Imaginem esse volume de caminhões cruzando Salvador e a ilha. Sem possibilidade de construir um rodo-anel, como nós, o Estado do Rio e o Governo Federal estão construindo o Arco Metropolitano do Rio de Janeiro, um escudo viário para barrar a entrada de caminhões na cidade e ligação dos principais pólos industriais da região metropolitana ao porto de Itaguaí, em Sepetiba. À sua margem estão o Plangás, terminal de gás da Petrobrás; o Complexo Petroquímico de Duque de Caixias; o Comperj, novo pólo petroquímico do RIo; o Complexo Industrial de Santa Cruz e o novo pólo siderúrgico do grupo EBX. Este arco rodoviário de 146 km está custando uma fração da ponte, R$1,1 bilhão. A nossa ponte é o avesso do projeto carioca, engarrafa a capital para depois tentar distribuir.

Diante da perspectiva de novos investimentos na Região Metropolitana de Salvador, como os estaleiros de São Roque e Mapele, o Terminal de Regaseificação, a ampliação dos portos de Salvador, Aratú, Temadre e Tecon e novas fabricas de carros, fica cada vez mais evidente que a solução para a RMS está em terra firme, na Envolvente Rodo-Ferroviária da Baía de Todos os Santos, capaz de integrar seus vários centros industriais e criar um novo polo turístico e náutico numa das regiões mais deprimidas do estado, o Recôncavo. Com esses grupos industriais, sim, há possibilidade de parcerias. Quem, além das imobiliárias, ganharia com a ponte?

Com um único vão de entrada e uma porteira para passagem de plataformas de petróleo, insuficientes para o vaivém de navios dos portos de Salvador, Aratu, Temadre, São Roque e terminal de gás, esta ponte será uma barreira fechando uma das maiores, mais belas e produtivas baias do mundo. A sociedade, que vai pagar a conte, quer discutir a vantagem da ponte.

SSA: A Tarde, 30/11/2011


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