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Podemos festejar: mensalão nunca mais?

  • 14 de Março de 2012

A reabertura do processo do mensalão deflagrou uma crise de autoestima nacional. Há graves problemas na esfera publica e privada, mas não somos um povo mais corrupto que outros. Os desvios decorrem de um regime politico bastardo, uma Justiça complacente e um sistema educacional só informativo que facilitam a corrupção. Vou me deter no primeiro ponto, por ser a matriz dos demais. Vale recordar que a constituinte de 88 era francamente parlamentarista. Na ultima hora, o Presidente Sarney, em função de seus interesses, manteve o regime presidencialista sem modificar o restante da Carta Magna. Estaria nessa mescla a origem dos escândalos que envolveram todos os presidentes desde a redemocratização?

O próprio Sarney foi pivô de escândalos como o da SUDAM, da Ferrovia Norte-Sul e outros. Collor de Mello, tendo PC Farias como corretor, foi apeado do poder sob a acusação de corrupção e suborno. O Secretario Geral da Presidência de Fernando Henrique, Eduardo Jorge Caldas, foi acusado de comprar votos dos deputados Ronivon Santiago, João Maia, Chicão Brigido, Osmir Lima, Zila Bezerra e outros para viabilizar a reeleição de FHC e modificar as leis da patente e da Petrobrás. Os dois primeiros deputados foram cassados e Eduardo Jorge afastado, mas FHC conseguiu abafar os escândalos e evitar uma CPI.

O chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu, é acusado de subornar, só que em uma escala muito maior. Dirceu teria comandado um esquema de pagamento de propinas a deputados para aprovar projetos de interesse do governo. Note-se a similitude dos escândalos desses presidentes. A corrupção estaria ligada, sintomaticamente, à governabilidade? Não pense o leitor que com isto estou relativizando a gravidade dos fatos ocorridos nos mandatos desses presidentes. Temo apenas que se não combatermos as causas a corrupção irá persistir.

A crise da governabilidade decorre do sistema hibrido criado por Sarney. Num regime presidencialista o executivo tem mais poder politico que o legislativo e o presidente grande autonomia administrativa. No nosso regime bastardo, todas as decisões têm que passar pelo Congresso, embora não exista a vinculação politica intrínseca entre legislativo e executivo própria do parlamentarismo. Nessas circunstancias, o presidente se quiser governar tem que “negociar” com cada grupo politico. Assim a governabilidade depende do toma lá, dá cá. A compra de votos não se faz apenas com reais e dólares, mas com dotações, emendas parlamentares, contratos de obras, cargos e comissões sem que estas práticas sejam consideradas ilegais. Assim a governabilidade depende do toma lá, dá cá. Mesmo assim, só se governa abusando de medidas excepcionais. FHC editou 5.491 medidas-provisórias.

No processo do Valerioduto, inaugurado por Eduardo Azeredo do PSDB, estão arrolados políticos de praticamente todos os partidos - PT, PP, PL, PTB e PSB - e dirigentes de empresas como SMP&B, Duda Mendonça Publicidade, Banco Rural e do Brasil, Corretoras Bônos Banval e Natimar. Nem mesmo os congressistas da base governista votam no governo sem cobrar alguma vantagem. Para complicar, entra nesse mercado o setor privado que inflaciona os preços dos votos em função de seus interesses.

A Presidente Dilma Rousseff, que tem evitado usar estes expedientes, não se arrisca a encaminhar ao Congresso as reformas que o país tanto necessita e se contenta em tocar programas tópicos que herdou de FHC e Lula. Estamos paralisados diante da crise. Qualquer que seja o resultado do julgamento do mensalão a estrutura do regime politico nacional continuará intacta e, consequentemente, a pratica viciada da governabilidade.

Como superar esta situação? Não interessa a nenhum congressista perder o poder de barganha que tem, onde o voto é um cheque em branco. Qualquer mudança só ocorrerá com uma nova constituinte autônoma e apartidária. Para deflagrar esse processo é necessário uma campanha cívica esclarecedora e um plebiscito não manipulado como foram os de 1961 e 1993 para a instituição de um parlamentarismo pleno, como o das nações minimamente democráticas e transparentes.

SSA: A Tarde, 14/03/2012


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