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Podemos festejar: mensalão nunca mais?
A reabertura do processo do mensalão deflagrou uma crise de autoestima
nacional. Há graves problemas na esfera publica e privada, mas não somos um povo
mais corrupto que outros. Os desvios decorrem de um regime politico bastardo,
uma Justiça complacente e um sistema educacional só informativo que facilitam a
corrupção. Vou me deter no primeiro ponto, por ser a matriz dos demais. Vale
recordar que a constituinte de 88 era francamente parlamentarista. Na ultima
hora, o Presidente Sarney, em função de seus interesses, manteve o regime
presidencialista sem modificar o restante da Carta Magna. Estaria nessa mescla a
origem dos escândalos que envolveram todos os presidentes desde a
redemocratização?
O próprio Sarney foi pivô de escândalos como o da SUDAM, da Ferrovia Norte-Sul e
outros. Collor de Mello, tendo PC Farias como corretor, foi apeado do poder sob
a acusação de corrupção e suborno. O Secretario Geral da Presidência de Fernando
Henrique, Eduardo Jorge Caldas, foi acusado de comprar votos dos deputados
Ronivon Santiago, João Maia, Chicão Brigido, Osmir Lima, Zila Bezerra e outros
para viabilizar a reeleição de FHC e modificar as leis da patente e da
Petrobrás. Os dois primeiros deputados foram cassados e Eduardo Jorge afastado,
mas FHC conseguiu abafar os escândalos e evitar uma CPI.
O chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu, é acusado de subornar, só que em uma
escala muito maior. Dirceu teria comandado um esquema de pagamento de propinas a
deputados para aprovar projetos de interesse do governo. Note-se a similitude
dos escândalos desses presidentes. A corrupção estaria ligada, sintomaticamente,
à governabilidade? Não pense o leitor que com isto estou relativizando a
gravidade dos fatos ocorridos nos mandatos desses presidentes. Temo apenas que
se não combatermos as causas a corrupção irá persistir.
A crise da governabilidade decorre do sistema hibrido criado por Sarney. Num
regime presidencialista o executivo tem mais poder politico que o legislativo e
o presidente grande autonomia administrativa. No nosso regime bastardo, todas as
decisões têm que passar pelo Congresso, embora não exista a vinculação politica
intrínseca entre legislativo e executivo própria do parlamentarismo. Nessas
circunstancias, o presidente se quiser governar tem que “negociar” com cada
grupo politico. Assim a governabilidade depende do toma lá, dá cá. A compra de
votos não se faz apenas com reais e dólares, mas com dotações, emendas
parlamentares, contratos de obras, cargos e comissões sem que estas práticas
sejam consideradas ilegais. Assim a governabilidade depende do toma lá, dá cá.
Mesmo assim, só se governa abusando de medidas excepcionais. FHC editou 5.491
medidas-provisórias.
No processo do Valerioduto, inaugurado por Eduardo Azeredo do PSDB, estão
arrolados políticos de praticamente todos os partidos - PT, PP, PL, PTB e PSB -
e dirigentes de empresas como SMP&B, Duda Mendonça Publicidade, Banco Rural e do
Brasil, Corretoras Bônos Banval e Natimar. Nem mesmo os congressistas da base
governista votam no governo sem cobrar alguma vantagem. Para complicar, entra
nesse mercado o setor privado que inflaciona os preços dos votos em função de
seus interesses.
A Presidente Dilma Rousseff, que tem evitado usar estes expedientes, não se
arrisca a encaminhar ao Congresso as reformas que o país tanto necessita e se
contenta em tocar programas tópicos que herdou de FHC e Lula. Estamos
paralisados diante da crise. Qualquer que seja o resultado do julgamento do
mensalão a estrutura do regime politico nacional continuará intacta e,
consequentemente, a pratica viciada da governabilidade.
Como superar esta situação? Não interessa a nenhum congressista perder o poder
de barganha que tem, onde o voto é um cheque em branco. Qualquer mudança só
ocorrerá com uma nova constituinte autônoma e apartidária. Para deflagrar esse
processo é necessário uma campanha cívica esclarecedora e um plebiscito não
manipulado como foram os de 1961 e 1993 para a instituição de um parlamentarismo
pleno, como o das nações minimamente democráticas e transparentes.
SSA: A Tarde, 14/03/2012