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Vitória: preservar ou tombar?
A gritaria desencontrada que se estabeleceu sobre o tombamento da Vitória
demonstra uma enorme desinformação da sociedade sobre a questão. Os pivôs dessa
crise são dois. Primeiro a falta de qualquer diretriz de desenvolvimento urbano
em Salvador, nas últimas três décadas, e a exclusão da sociedade civil em seus
processos de gestão, de que é prova o polêmico PDDU 2002. Na falta desse
diálogo, o tombamento passou a ser, para alguns, a solução de todos os
problemas: balaustrada do Porto da Barra, feira de São Joaquim, condomínios no
Bairro da Luz, má qualidade do acarajé etc. Delega-se, assim, à “coroa
provedora” decisões que deveriam ser cidadãs. É nesse contexto que se propôs, em
1999, tombar nacionalmente os bairros da Graça, Vitória e Canela e isoladamente
12 imóveis compreendidos nos mesmos.
Segundo, a insuficiência do nosso quase septuagenário Dec – lei nº 25/37 quando
aplicado a conjuntos e centros históricos vivos, com sua dinâmica e problemas.
Recorde-se que esta lei foi feita para preservar monumentos excepcionais, sítios
arqueológicos e bens móveis. Como o tombamento é um instrumento passivo de
preservação, as requalificações de centros históricos no país têm sido feitas
prioritariamente pelos governos estaduais ou municipais, ante a proverbial falta
de recursos do Iphan. Ora a recomendação do Conselho Consultivo à Diretoria do
Iphan de cobrar um compromisso do Estado e da prefeitura na preservação do
Corredor da Vitória é perfeitamente coerente com a realidade e com o principal
avanço da legislação patrimonial, o princípio da responsabilidade solidária dos
três poderes na preservação dos bens culturais e naturais, art.23 da
Constituição de 88. Este dispositivo é tanto mais aplicável ao nosso caso já que
a quase totalidade dos bens que se pretende tombar é pública: Largo e Corredor
da Vitória, Campo Grande, Passeio Público do Aclamação, Museu do Estado, Igreja
da Vitória. Acrescente-se a isso o fato de a área se superpor com perímetros
municipais especiais: área de bordo e integrante do sistema de áreas verdes,
ainda que só parcialmente observadas.
Após quatro versões pouco consensuais, a proposta original de tombamento foi
reduzida a apenas quatro logradouros públicos e cinco monumentos, três dos quais
públicos e um quarto pertencente a uma associação cultural italiana. No balanço
geral se estaria tombando uma única casa privada. No resto do bairro não iria
mudar absolutamente nada, já que a última proposta do conselheiro Sabino Barroso
não entra em choque com a prática seguida pelo mercado imobiliário, há pelo
menos 20 anos, qual seja, conservar a “configuração arquitetônica externa” das
mansões, usualmente transformadas em salões de festas e construção de torres no
fundo sem limite de altura. Neste sentido é preferível que a Sucom
institucionalize a prática vigente, e não o Iphan, pois estes dois dispositivos
minariam os pilares básicos do conceito de monumento, integridade, autenticidade
e ambiência, pondo o Iphan em situação embaraçosa com respeito a suas
atribuições legais. Defendi, desde o início a negociação do Iphan com as
instituições e a sociedade local visando à construção de uma instância de
decisão preservacionista compartida, para contrabalançar o peso dos lobbies
imobiliários. Esta negociação deveria ter sido feita durante a vigência do
tombamento provisório e não agora, quando o Iphan perdeu seu único instrumento
de pressão.
Se quisermos preservar a Vitória, além de resgatar os casarões remanescentes,
temos que reduzir o gabarito aos níveis anteriores ao Transcom, reflorestar a
encosta e controlar o uso do solo em benefício de toda comunidade. O tombamento,
com as limitações que possui, não tem poder para tanto e, mais que preservar
valores culturais pretensamente nacionais, poderá indiretamente reforçar
privilégios ali acastelados. Precisamos de um novo modelo de desenvolvimento
urbano que não seja nem o autofágico do capital imobiliário, nem o “retrô”, dos
que desejam engessar toda a cidade. Um modelo de desenvolvimento participativo
que inclua o patrimônio cultural e natural como fator de desenvolvimento humano.
Isto só se faz somando forças.
SSA; A Tarde,