Artigos de Jornal
Um cantinho para dizer que é seu
O desejo de ter uma casa para criar a família e não pagar aluguel é universal. Abro o jornal e me deparo com matéria de página inteira sobre o sucesso de vendas de mini-apertamentos de 6 a 10 m², a novidade festejada da indústria imobiliária nacional. Antigamente se estigmatizava os apartamentos pela forma de suas janelas, pois neles se via tudo quadrado. Hoje, nessas solitárias só o sol nasce quadrado. A matéria dizia que esses caixões são ideais para pessoas que passam todo o dia na rua trabalhando e se recolhem neles para dormir.
Mini-apertamentos Verdes e Amarelos paulistanos de 10 m², com o honroso título de serem uns dos menores da América do Sul, foram vendidos em 24 horas e a empresa estuda lançamentos ainda menores. O diretor de uma imobiliária explicava que o seu apertamento-conceito é inspirado nos transformers, em que um carrinho vira um robô guerreiro atirando. Assim, nos suas caixas a poltrona se transforma em cama, a mesa e a cadeira são recolhidas no rodapé do papagaio, a cozinha é reduzida a um micro-ondas e o sanitário a uma bacia turca com tampa-piso, para ganhar espaço.
Tudo ecológico e racional, para evitar desperdício de espaço e material. A televisão é substituída por uns óculos de realidade virtual, muito mais modernos. O preço varia a depender do tamanho. Por isso, unidades são oferecidas em função do comprador, solteiro ou amigado, gordo ou magro, alto ou baixo nos tamanhos S,M,L e XL, de modo a ele não precisar forçar a parede ou a porta do fusca para dormir ou transar. A construtora, politicamente correta, assegura que suas unidades são bem mais confortáveis que os tubos dos aparelhos de fazer tomografia.
Além do mais, no térreo são oferecidos equipamentos coletivos, como sofás para receber parentes, casas de banho, vending machines, lockers, bicicletas ergométricas, máquinas de lavar roupa e salão de coworking. O usuário só paga o que marcar o taxímetro.
A nossa indústria imobiliária anda atrasada. Já há algumas décadas os japoneses lançaram os hotéis-cápsulas, com gavetas ou sarcófagos empilhados para caixeiros viajantes e camelôs no inverno. A nova unidade métrica das imobiliárias para armazenar humanos é o metro cúbico, utilizado nos depósitos de trastes imprestáveis, conhecidos como self storages.
O investimento para as imobiliárias é altamente compensador. O preço por metro quadrado de um desses mini-apertamentos é o dobro de apartamentos maiores. Uma empresa estuda lançar uma cápsula sobre rodas para moradores de ruas da cracolândia paulista à prova de fogo, bala e gases lacrimogêneos e de pimenta. O tráfico de droga paga!
Hoje muitos misantropos querem ter um desses caixões para dizer que é seu. E após um exaustivo dia de trabalho, com o consolo de terem agradado ao patrão, poderem se deitar e dormir. Eles merecem! Que descansem em paz!