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Plano diretor solucionaria problema de trânsito de Salvador

  • 22 de Agosto de 1969

Os crescentes problemas de trânsito em Salvador não poderão ser analisados independentes de outros problemas da cidade. A resolução dos problemas de circulação de uma cidade depende em primeiro lugar da existência de vias adequadas e de uma conveniente localização dos setores de trabalho, recreação e abastecimento com relação os setores de habitação, de modo a reduzir ao mínimo os deslocamentos humanos. Esses problemas teriam sido naturalmente resolvidos não fosse a nossa topografia. Salvador, como outras cidades brasileiras, teve sua localização determinada por motivos meramente militares. O local deveria ser por definição de difícil acesso.
A cidade, que está situada sobre terreno sulcado por vales cujo saneamento exigia obras custosas teve seu crescimento desenvolvido ao longo das cumeadas de morros. Para irmos de um posto a outro separado por um vale tínhamos que seguir os caprichos dos espigões. Acrescente-se a isso a enorme função centralizadora do porto e do núcleo original de povoamento, um defronte do outro. Para esses pontos convergem invariavelmente todas as vias. Ainda hoje todos os transportes coletivos dirigem-se sem exceção para a colina da Sé ou para a Praça Cairu. O resultado não poderia ser outro senão o engarrafamento.


PLANO DIRETOR

Mário Leal Ferreira, a quem a Bahia ainda não homenageou na medida dos seus méritos, compreendendo estes problemas elaborou com a equipe do EPUCS (Escritório do Plano Urbanístico da Cidade do Salvador), há vinte anos atrás, um plano urbanístico visando a corrigir estes efeitos centralizadores. A rede viária sistematizada sobre a topografia de Salvador prevê radiais e três cintas concêntricas tendo uma base comum. As três concêntricas que correm ao largo de vales têm como função ligar os vários bairros sem congestionar o centro e distribuir os produtos provenientes da ferrovia e da rodovia perimetralmente sem passar pelo centro. A primeira concêntrica, que vai da Barroquinha ao Taboão, através a Baixa dos Sapateiros, será ligada à Ladeira da Montanha e à Cidade Baixa por obras d´arte. Esta concêntrica isolaria a colina da Sé do tráfego motorizado.

O centro cívico e cultural da cidade voltaria à sua tranquilidade original ao ser devolvido aos pedestres. Desta concêntrica nº 1 partirão as radiais que levarão rapidamente toda população do setor comercial aos bairros mais afastados. A Via Base, que se desenvolveria da Barra ao Largo do Tanque no sopé da encosta, será fora de dúvida a mais importante e solicitada de todas, pois é ao mesmo tempo, radical e base comum a todas as concêntricas.

O alargamento da Baixa dos Sapateiros, indispensável ao funcionamento do Plano, constitui operação difícil de ser realizada na atual situação financeira do Município. Torna-se então necessário um recuo estratégico, isto é, a concentração dos esforços para conclusão imediata da segunda concêntrica. É indispensável que se mobiliza todos os recursos da Municipalidade e se possível da Petrobras e outras fontes para realização dos três viadutos que viabilizariam seu funcionamento: viadutos do Campo Grande e das ruas Padre Feijó e Canto da Cruz. Estas obras permitirão o fechamento da concêntrica pioneira de Salvador e o estabelecimento da primeira linha de transporte circular, isto é, transporte de bairro a bairro sem depender do centro e articulação das linhas radiais de transportes de bairros sem precisar ir a um terminal.

Nenhuma concêntrica poderá, no entanto, funcionar enquanto perdurar o estrangulamento existente na Via Base na altura da Praça Cairu. O EPUCS previu este problema e recomendou a abertura de uma via que partindo do Corpo Santo eliminando as quadras existentes entre as ruas Santos Dumont, Lopes Cardoso e seguintes dirigia-se à Praça Deodoro. Esta avenida evitaria outras obras complementares, como um viaduto no início da Ladeira da Montanha e obras para evitar o conflito entre a pista de tráfego pesado e as filas do Elevador e Plano Inclinado. Diante da valorização dos terrenos do Comércio nos últimos anos, e o crescente empobrecimento da Municipalidade, a não realização dessas obras constitui um grave problema.

ALTERNATIVA PROPOSTA

A presente sugestão visa estabelecer uma ligação direta da avenida de Contorno e as avenidas da França e Estados Unidos, transladando a Via Base, naquele trecho, para posição mais afastada da encosta. A solução não fecha nenhuma porta. Em lugar de uma, teremos duas portas abertas ao tráfego da cidade. As obras necessárias são apenas um cais de 120 metros de extensão e aterro da atual rampa do Mercado e lateral do edifício da Alfândega. Estas obras são relativamente modestas diante dos serviços que irão prestar se comparadas com as obras que deveriam ser realizadas no sopé da encosta. O aterro poderá ser feito por draga com o material retirado do fundo do mar. A solução poderia ser posta em funcionamento imediatamente com a demolição apenas do armazém nº 1 da Cia. Docas da Bahia, embora se preveja no futuro o deslocamento do atual Mercado Modelo para nova localização. Como se sabe, a administração das Docas da Bahia funciona no armazém nº 1, mas está sendo transferida para a nova estação marítima de passageiros da mesma companhia.

SSA; A Tarde, 22/08/1969

PS – No final da década de 1960 ainda se imaginava que pudesse ser feito o plano do EPUCS, com uma Via Base no sopé da Montanha com intervenção muito forte no patrimônio do Comércio. Eu, um recém-formado, propunha desviá-la para o bordo da baia. A Avenida do Contorno foi inaugurada em 1962 e era preciso ligá-la à Avenida da França. Já havia projeto para a ligação das duas avenidas com a demolição do velho Mercado Modelo e construção de um novo em cima da Rampa do Mercado, projeto do arquiteto Diógenes Rebouças e incorporação da Odebrecht. Por outro lado, começavam a surgir os primeiros supermercados na cidade. Entre 1959 e 1969 a firma Paes Mendonça construiu dez deles. Era grande a concorrência dos mercados públicos e das feiras livres, especialmente as de Água de Meninos e Sete Portas, que eram acusadas de sujas e fedorentas. Em 1964, a Água de Meninos pegava fogo e em 1º de agosto de 1969 o velho Mercado Modelo também. Eu conhecia os dois projetos e resolvi denunciar discretamente a tramoia, 21 dias depois do incêndio, publicando o artigo acima com a perspectiva de uma nova proposta de urbanização da Conceição da Praia atropelando o novo mercado e ampliando a Praça Cairú. O Jornal A Tarde dedicou uma página inteira ao projeto. Abriu-se a discussão e o projeto da Odebrecht gorou. O meu projeto também não foi realizado porque mexia com a Marinha. Os comerciantes do mercado foram transferidos para a velha Alfândega desocupada, em um projeto improvisado que seria também incendiado em 1984. Tive a honra de restaurá-lo no mesmo ano, com venda só artesanato. Conto tudo isto em A Alfândega e o Mercado, memória e restauração. SSA: Seplantec, 1985.
 


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