Artigos de Jornal
As cidades históricas do Nordeste
Os Ministérios da Educação e Cultura, e do Planejamento acabam de instituir
um grupo de trabalho que deverá elaborar em um prazo de sessenta dias o plano de
restauração de nove centros históricos do Nordeste, ou sejam, São Luis e
Alcântara no Maranhão, Olinda e Iguarassu em Pernambuco, Penedo e Marechal
Deodoro em Alagoas, São Cristóvão e Laranjeiras em Sergipe e Cachoeira neste
Estado. As notícias, nem sempre claras dos jornais, falam ainda em Salvador e
Porto Seguro. Muitas destas cidades são tombadas pelo Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional e já contam com planos diretores de preservação e
desenvolvimento, como Olinda e Alcântara, ou em fase de elaboração, como São
Luis, Cachoeira e Porto Seguro. Para a realização destes planos o IPHAN tem
buscado a cooperação de órgãos internacionais, como a UNESCO e OEA, e federais e
estaduais. Todavia, a execução dos planos de preservação e desenvolvimento
integrados daquelas cidades requer recursos de tal monta e exige a intervenção
em setores tão variados da vida daquelas cidades que seria ingênuo pensar que um
único órgão, ou ministério, pudesse enfrentar o problema sozinho.
Os franceses, que são pioneiros em estudos de restauração de centros históricos,
sentiram desde logo que o problema só poderia ser resolvido com o concurso de
vários ministérios. A Lei Malraux, de 1962, sobre a preservação de setores
urbanos e paisagísticos, criou uma comissão nacional para resolver a questão,
constituída por representantes dos Ministérios de Assuntos Culturais. Obras
Públicas, Interior, Finanças, Planejamento e Turismo, além de seis membros
escolhidos dentre as pessoas de notória competência no assunto. Entre nós, o
problema não, poderia ter outro encaminhamento. Inspirada naquela legislação, e
na italiana, apresentamos ao II Encontro de Governadores para a Defesa do
Patrimônio uma comunicação sobre a necessidade de uma legislação complementar ao
decreto-lei n. 25 que criou o IPHAN, visando dar a aqueles órgãos os
instrumentos necessários a enfrentar o problema das cidades-monumentos. Naquela
contribuição não só propúnhamos a formação de uma comissão interministerial nos
moldes da lei francesa, como a cooperação entre o poder público, que através de
seus vários ministérios criaria a infraestrutura urbana e turística necessária,
e o poder privado que financiado em condições especiais, faria a reforma das
condições habitacionais dos imóveis que ocupam.
Entre a restauração arquitetônica e urbana não existe uma contradição, mas vai
uma grande distância. As complexas implicações socioeconômicas, ecológicas, e
circulatórias, os problemas de poluição atmosférica, visual e sonora dos
ambientes urbanos e demais fatores dão à restauração urbana o caráter de uma
operação dinâmica e viva em oposição à restauração arqueológica estática. Nessa
escala, a restauração arquitetônica, no seu conceito contemporâneo, isto é, de
consolidação das estruturas do passado e adaptação aos usos sociais de cada
época, ocupa uma posição intermediária entre aquelas duas posições extremas. O
que importa que seja observado é que as adaptações à nossa época tenham caráter
reversível, isto porque as restaurações que fazemos hoje são, por força dos
costumes e usos, diversas das que se fizeram no passado e se farão no futuro, e
os monumentos ou cidades não devem ser marcados indelevelmente por cada geração,
sob pena de se descaracterizarem progressivamente.
A restauração de centros urbanos, segundo a conceituação mais atual, deve visar
o bem-estar daqueles que os habitam e visitam e, naturalmente, a transmissão
para as gerações futuras de seu acervo artístico. Não se deve, portanto,
confundir reanimação urbana com a simples restauração iconográfica de espaços
urbanos para consumo turístico, embora o turismo possa, devidamente orientado,
constituir uma função para cidades que por força de mudanças econômicas ou
políticas perderam, por assim dizer, seus fatores de localização.
Qual seria, porém, o melhor meio de conservar essas cidades? A história tem
mostrado que a descaracterização do espaço urbano tradicional está mais
relacionada com fatores socioeconômicos do que com a ação de agentes físicos do
meio. As cidades que entre nós sofreram grandes transformações socioeconômicas
pouco conservaram sua ambiência primitiva. Isto é válido tanto para aquelas que
experimentaram um rápido desenvolvimento econômico como São Paulo, Rio de
Janeiro e Recife, quanto para as que sofreram um empobrecimento progressivo como
Alcântara e Porto Seguro, cidades despovoadas e parcialmente destruídas que
apresentam atualmente mais interesse paisagístico e histórico do que mesmo
urbano. É forçoso reconhecer que foi a quase inexistência de transformações
sociais decorrentes da estagnação econômicas que permitiu a Ouro Preto, São
Cristóvão e São Luís chegarem até nós com uma integridade surpreendente.
Com a melhoria e criação de novas estradas, as cidades históricas do Nordeste
não tardarão a ser invadidas por torrentes turísticas do Sul. Será o despertar
destas belas adormecidas? O turismo imporá profundas e rápidas transformações
sociais e urbanas a estas cidades, transformações que poderão, como já vimos,
desfigurá-las definitivamente. Para isto não ocorra, é necessário que a
preservação e o desenvolvimento dessas cidades sejam prévia e cuidadosamente
planejados, como começa a ser feito. A discussão deste tema me fez recordar a
observação aguda do arquiteto Erick Schineider, quando em nossa companhia
visitava as cidades e engenhos abandonados do Recôncavo: “É preciso evitar que o
turismo não venha a ser uma nova forma de monocultura para esta região”
SSA: A Tarde, 23/03/1973
PS – Este artigo foi escrito por ocasião da criação do Programa das Cidades
Históricas do Nordeste.