Artigos de Jornal
Novo modelo de inclusão urbana
Um dos aspectos mais perversos da exclusão social é o monopólio do solo
urbano pela especulação, o que faz que os menos favorecidos não tenham outra
opção senão se equilibrarem em terrenos periclitantes e/ou de difícil acesso. É
o caso das favelas em morros, encostas e alagados, comuns nas cidades
brasileiras e latino-americanas. Até bem pouco, os moradores do Morro de Dona
Marta no Rio tinham que subir diariamente 788 degraus para chegarem a seus
barracos carregando crianças, compras e botijões.
Tal dificuldade de acesso e vácuo do Estado fez com que surgissem nesses
territórios de exclusão comunidades dominadas por gangues da droga e do jogo que
administram a justiça executando supostos acagüetes e pivetes, decretando o
toque de recolher e fechando o comercio quando querem. Em troco do acobertamento
de seus ilicitos mantinham, ou mantêm, clubes, creches e funerárias. Estas áreas
são os territórios de apoio da guerrilha urbana em que vivemos.
Episódicas ações policiais e/ou do exercito se transformaram em midiáticas
operações de guerra com blindados, helicópteros e tropa de elite para prender um
determinado criminoso, matando mais inocentes que bandidos. Logo a sociedade se
deu conta da brutalidade e inutilidade desses espetáculos televisivos.
Vem de Medelín e Bogotá na Colômbia, aonde a exclusão e violência chegaram a
níveis inimagináveis, uma nova doutrina de como lidar com a questão elaborada
por urbanistas e professores universitários. Fundamental foi a compreensão de
que a acessibilidade é a chave para romper esse circulo vicioso. Com técnicos
suíços eles criaram o primeiro sistema de transporte urbano teleférico,
complementado por planos inclinados e escadas rolantes, evitando maiores
impactos sobre encostas densamente ocupadas. Mas a inclusão dessas comunidades
não se restringe à acessibilidade, senão em levar infraestrutura e equipamentos
culturais, fazer a regularização fundiária e desmantelar o controle das gangues
através de uma nova ordem social baseada na restauração da auto-estima dessas
comunidades e policiamento preventivo.
Dentre os equipamentos instalados nessas áreas na Colômbia estão moderníssimas
bibliotecas e complexos esportivos para ocupar os jovens o maior tempo possível.
O resultado disto foi a queda em 80% da criminalidade em Bogotá e Medelín. Este
mesmo sistema está sendo implantado no Rio e outras cidades brasileiras. No
Brasil, uma tentativa de inclusão social de favelas já vinha sendo experimentada
desde a década de 1980 no Rio, com os Centros Integrados de Educação Publica –
CIEPs, imaginados por Darcy Ribeiro, reproduzindo a experiência de Anísio
Teixeira aqui no Pau Miúdo. Darcy imaginou colocar escolas-classes encima dos
morros e escolas-parques no seu sopé. Quem traduziu isto em termos
arquitetônicos foi o nosso Lelé criando escolas tipo Playmobil, cujos
componentes podiam ser levados no ombro por operários pelas labirínticas
escadarias dos morros.
Mas as escolas-classes de Lelé não eram visíveis ao grande público e Brizola
preferiu construir mais escolas-parque, de Niemeyer, desvirtuando a proposta de
Darcy. Lelé levaria seu sistema para outras cidades. Aqui, com a mesma
preocupação social, criou na administração Mario Kertész a Desau, onde
desenvolveu outros equipamentos para as nossas favelas, como escadas drenantes,
lixodutos e passarelas articuladoras de encostas com rampas de acesso para
cadeirantes e carrinhos de ambulantes.
Ainda no Rio de Janeiro, o Arq. Paulo Conde, Secretário de Urbanismo e depois
Prefeito realizou na mesma linha, na década de 90, um amplo programa conhecido
como Favela-Bairro. Mas ele pecou por não contemplar adequadamente a questão da
acessibilidade. Nisto o tripé colombiano de acessibilidade, cultura e
auto-gestão cidadã se mostrou mais eficiente e se transformou em um novo
paradigma de inclusão para as cidades do terceiro mundo. Aqui, elevadores e
planos inclinados sucessores dos pioneiros guindastes dos séculos XVII e XVIII
estão sendo desativados por não serem rentáveis.
SSA: A Tarde, 29/01/12