Artigos de Jornal
Dar a volta por cima...
A situação de abandono e desgoverno a que chegou Salvador tem provocado
algumas reflexões mais profundas neste jornal sobre a decadência da cidade.
Dentre estas, destaco o artigo de Fredie Didier “Salvador não passa por um bom
momento histórico”, no qual o autor identifica uma crise existencial de Salvador
e nos convida a refundá-la. Os gravíssimos acontecimentos recentes em Salvador,
quando policiais armados pararam a cidade, tomaram a Assembléia, e foram
verificados 187 homicídios na RMS, com pelo menos 45 deles com características
de execuções, sugerem que a crise não é só de Salvador, mas da Bahia.
Durante doze dias fomos linchados pelos jornais de todo o Brasil e os fatos
noticiados em todo o mundo, com exageros nos EE. UU. Dentre os artigos mais
duros publicados no sul, provocando irritação nos baianos, estão o de Gilberto
Dimenstein “A Bahia é uma mentira” e o de Caetano Veloso “Mentira”. Não cabe
aqui discutir de quem é a culpa desta situação. Seguramente de todos nós.
Precisamos, sim, entender o que ocorreu e dar a volta por cima.
O declínio da Bahia começou com o golpe militar de 1964 esmagando o movimento
cultural iniciado em 1946 por Anísio Teixeira e Edgar Santos, que nos colocou na
vanguarda da educação e das artes no país. Por outro lado, a repressão
estudantil impediu a formação de novos líderes políticos. Continuamos com os
descendentes e afilhados de ex-governadores das décadas de 50 e 60. A exceção é
a emergência de lideranças sindicais do PT. Mas com a morte do socialismo-real,
acabaram-se as ideologias políticas e quase tudo virou fisiologismo.
Assistimos inertes à venda de nossos bancos. Ficamos reduzidos a apenas três
grupos econômicos, dois originários da construção civil, que monopolizam as
obras do estado, há anos, e um do interior, de varejo. Perdemos o cacau por
falta de fiscalização fitossanitária e as novas culturas, como a soja, saem por
outros estados, situação que o atual governo tenta reverter.
Em 1968, o francês Michael Parent, em missão da UNESCO, disse que Salvador era
uma cidade de arte como Toledo. Criou-se o IPAC e tentou-se restaurar o
Pelourinho. Mas na mesma época, as terras e serviços públicos municipais foram
privatizados. Hoje Salvador é uma cidade dominada pelos cartéis imobiliários,
dos transportes e do lixo. O resultado é uma cidade congestionada, travada,
suja, violenta e com seu centro histórico esvaziado.
Perdemos, por outro lado, duas editoras, Progresso e Civilização, e importamos
livros didáticos de escritores e educadores de outros estados. Nossas faculdades
privadas foram vendidas para grupos estrangeiros. No campo da cultura popular e
do lazer tudo virou axé e carnaval de aluguel, dentro de currais móveis e
camarotes de luxo. As festas de largo foram sepultadas para dar lugar aos carros
Não soubemos aproveitar oportunidades, como a das mídias eletrônicas. Não
possuímos um núcleo de software, como Recife, nem gravadoras para os nossos
compositores, mas temos uma indústria de CDs e DVDs piratas. Fundamos e perdemos
algumas das maiores empresas de publicidade do país. Alguns dirão que é o avanço
do capital monopolista e da globalização e que não ha nada a fazer. Milton
Santos e outros autores defenderam e fatos recentes confirmam que há outra
globalização, que pode libertar e não apenas oprimir.
Como reverter esta situação? Não é com campanhas de marketing ou esperando um
messias. Toda a sociedade deve se mobilizar politicamente para reconstruir a
Bahia e restaurar a nossa auto-estima. Não somos um bando de preguiçosos,
gigolôs e vadias como se estereotipou a baianidade.
Sempre nos destacamos na literatura, na musica, nas artes e na publicidade e
esta criatividade é a mola do setor terciário superior, o da geração e
compartilhamento da informação e da pesquisa tecnológica. É nisso que os países
mais desenvolvidos estão investindo. As universidades têm um papel fundamental
nessa revolução e precisamos transformá-las em alavancas de desenvolvimento
sócio-econômico e não apenas formadoras de mão de obra para o mercado. Saber é
poder.
SSA: A Tarde de 26/02/12