Artigos de Jornal
Um olho no passado e outro no futuro
No próximo dia 29, Salvador completará 463 anos. Passado de glorias e futuro
de incertezas. Haverá festas, mas sem muito brilho diante da crise que vivemos.
Crise cujas raízes são profundas e antigas, mas que entrou em parafuso, sem
nenhum controle, na presente administração. Não adianta chorar o leite
derramado, temos é que construir o futuro. E as crises têm um lado positivo, na
medida em que ensejam a reflexão e a rotura de velhos paradigmas para a criação
de novos.
Há muitos anos não se discutia tanto Salvador na mídia, nos colégios
profissionais e associações de bairros, como agora. Renasceram movimentos como a
“Cidade Também é Nossa”, e surgem novos, como “Vozes da Cidade” e “Sabatina dos
Prefeituráveis” com o apoio da ABI, do CREA-Ba, do IAB-Ba e da FABS. Movimentos
que se gestam na sede dessas instituições, no Teatro dos Novos e em casas
particulares, para finalmente ganhar as ruas com marchas como o “Desocupa
Salvador”.
Mobilização que só tende a crescer com as novas redes sociais e proximidade das
eleições. Vamos convir que o problema não é só local. A RMS, que representa
metade do PIB estadual, apresenta enormes desníveis sócio-econômicos e
demográficos, com 80% de sua população vivendo em Salvador, que provê tudo a ela
para gerar riqueza em municípios vizinhos. Sem planejamento, Salvador se
transformou em uma cidade dormitório insustentável. Crise que é também estadual
e de quadros qualificados, como vimos na greve da Policia e na queda de quatro
ministros baianos pelo baixo desempenho de suas pastas.
Mas não se pense que esta situação será superada pela eleição de um super
prefeito. Aliás, nenhum dos candidatos apresenta qualquer traço de liderança ou
programa de governo. Não podemos esperar um messias capaz de libertar o nosso
povo da escravidão das desigualdades e das sete pragas do desgoverno. Sem o
fortalecimento das instituições civis e uma nova Câmara de Vereadores realmente
representativa, qualificada e íntegra, não se pode esperar nenhuma mudança em
Salvador. Mas estarão os prefeituráveis interessados nisto ou em eleger uma
Câmara dócil, capaz de respaldar suas manobras eleitoreiras?
Não basta uma Câmara renovada, é preciso que as instituições civis, como a
academia, as associações patronais e movimentos populares abandonem o “silencio
obsequioso” em que têm se mantido e se posicionem sobre os problemas da cidade e
do Estado, forçando o dialogo com os gestores encastelados em seus palácios
indevassáveis e denunciando as investidas dos cartéis que se tornaram sócios de
nossa cidade. Temos que cobrar dos candidatos, já agora, compromissos e planos
de governos para que possamos exigir mais tarde seu cumprimento. A Constituição
de 88 deu ao habitante e à sociedade novos instrumentos de defesa de seus
direitos cidadãos, com a Ação Popular e a Ação Civil Pública, que podem e devem
ser acionadas contra o mau administrador.
Outro efeito positivo da crise é a reação que começa a se esboçar no seio da
sociedade com cidadãos, politicamente conscientes embora desvinculados da
militância partidária, se candidatando a postos eletivos, visando mudar esta
situação. Este é o caso de Waldir Pires, ex-governador e duas vezes ministro que
teve a humildade de se candidatar à vereança de Salvador para brigar pela
cidade, conforme intenção declarada aos jornais. Esperamos que outros cidadãos
competentes e íntegros sigam o seu exemplo e possamos contar com um grupo
majoritário de representantes independentes na nossa Câmara de Vereadores.
Refundar Salvador requer também, como na sua fundação, a vontade política do
Poder Central e do Estado, como capital que foi da Colônia e, a partir da
República, de um Estado Federativo. Os problemas de Salvador só se resolverão
com um órgão de planejamento técnico, crítico e autônomo, dentro de um pacto
metropolitano. O ordenamento da RMS é uma atribuição do Estado, que não pode
seguir se omitindo como vem ocorrendo desde a sua criação, na década de 1960.
Salvador não tem apenas passado, tem futuro e ele depende apenas de nós.
SSA: A Tarde, 25/03/12