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A cidade como cultura

  • 15 de Julho de 2012

A cidade não é apenas o palco das diversas linguagens artísticas: a arquitetura, a música, o teatro, o cinema e as artes plásticas. Ela própria é cultura material e imaterial. Material, pelo traçado de suas ruas, praças, fontes e parques, pelo tratamento de suas frentes marítimas e espelhos d’água. Imaterial, por suas relações sociais, tradições cívicas e religiosas, por suas festas e jogos. A cidade é um arquivo histórico, como diz o espanhol Checa Goitia, porque nela se guardam construções de todas as épocas. A história das artes se confunde com a história da cidade, segundo o crítico de arte e ex-prefeito de Roma, Cario Argan.
Salvador tem uma cultura urbana riquíssima, pela sua implantação em acrópole, pelo seu acervo arquitetônico e artístico, pela sua história social, pelo seu sincretismo religioso, pela alegria de seu povo, por suas festas ao ar livre, por sua música e cozinha típicas e pelo requebrado de suas baianas. Mas a partir do início da década de 1970, este patrimônio cultural e econômico vem sendo impiedosamente pilhado e destruído pela especulação, travestida de progresso, pela incompetência e conivência de nossos gestores urbanos e pela pusilanimidade de todos nós, soteropolitenos, que não soubemos reagir a tempo.
Finalmente, quando quase tocávamos o fundo do poço, a Academia de Letras da Bahia, com o apoio de artistas e produtores culturais soteropolitanos, resolve reagir cobrando dos candidatos a prefeito um compromisso com a nossa cultura, o dar um basta na destruição de nosso patrimônio cultural e ambiental urbano e incentivar a criação cultural, como ocorreu nos anos 60, quando fomos a vanguarda da arte brasileira.
É preciso que o nosso futuro prefeito compreenda que a par de sua importância iden- titária, a cultura representa 7% do nosso PIB. No contexto urbano este percentual é muito maior e para que ele cresça é preciso que a prefeitura tenha políticas e invista na cultura. Em meado da década de 70, Nova York enfrentou uma crise financeira e de gestão semelhante à de Salvador. A campanha do novo prefeito para recuperar a cidade foi recriar a autoestima de seus cidadãos com o slogan “I Love New York”.
Enquanto a Prefeitura do Recife aplica 4% do seu orçamento em cultura e transformou o Centro Histórico em um polo de informática, a nossa não chega a investir 0,5% e não tem nenhuma política para o Pelourinho. Não obstante os esforços dos últimos presidentes da Fundação Gregório de Mattos, não é possível fazer milagres com tal orçamento. Este grupo de intelectuais não quer congelar a cidade, mas é preciso acabar com a farsa de que basta preservar o Centro Histórico para os turistas “e que tudo mais vá para o inferno”. Se fosse assim, não teríamos mais Paris, Barcelona, Florença, San Francisco e as cidades mineiras. É preciso compreender que a recuperação do Pelourinho não pode ser uma operação puramente arquitetônica, senão essencialmente urbanística e isto é uma competência exclusiva do município.
O que a prefeitura fez pelo Pelourinho nos últimos vinte anos? Um dos maiores flagelos dele é a falta de mobilidade e acessibilidade. No entanto, o Plano Inclinado Gonçalves está parado há quase um ano e o Elevador Lacerda funcionando precariamente. Precisamos ter um órgão cultural com status de secretaria, um conselho cultural nos moldes do recomendado pelo Estatuto da Cidade e incentivos fiscais para a cultura. Sem isso, a prefeitura não pode exercer as atribuições constitucionais de preservar e incentivar a cultura.
O encontro sugerido e coordenado pelo acadêmico Luís Antonio Cajazeira está marcado para o próximo dia 26, à noite, na Academia de Letras da Bahia. Não será um debate, nem um embate para constranger os candidatos, senão ouvi-los sobre o que pensam sobre a cidade. O confronto será subjetivo, na cabeça de cada ouvinte-cidadão. No final da sessão, será entregue a todos um documento do grupo de trabalho com sugestões. A recuperação de Salvador passa inevitavelmente pelo resgate da autoestima dos soteropolitanos e isto não se consegue sem reforçar a cultura urbana.

SSA: A Tarde, 15/07/2012.


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