Artigos de Jornal
Mal-estar no Pelourinho
Às vésperas da eleição municipal, o nosso Centro Histórico é um dos maiores
desafios para o futuro prefeito e para o Estado. Apesar da revisão pelo atual
governo estadual de sua politica, com a ampliação da área de atuação e criação
do Escritório de Referencia do Centro Antigo, para articulação dos três
governos, passados seis anos, turistas, usuários e comerciantes lamentam seu
crescente esvaziamento. Venho observando desde 1968 as politicas ali adotadas,
comparando-as com outras latino-americanas que conheço e avaliei para a UNESCO.
Com exceção de Havana Velha, nenhum outro C.H. da região recebeu tantos recursos
e os resultados foram tão frustrantes.
Esvaziamento é a palavra-chave para entender a razão deste fracasso. O primeiro
se dá com saída, no inicio do século XX, da aristocracia açucareira e sua
marginalização social. O segundo é deflagrado com a transferência do Governo do
Estado para a Paralela e criação de um novo centro comercial e de serviços no
Iguatemi/Av. ACM, no inicio da década de 1970. O terceiro se faz com a retirada
da população do C.H. para a sua transformação em um shopping center a
céu-aberto, em 1992. Esse esvaziamento social-higienista e funcional iria
contaminar as áreas vizinhas: Pilar, Comércio, Rua Chile, Carmo, Baixa dos
Sapateiros, Barroquinha, Palma e Saúde.
As politicas compensatórias ali adotadas foram sempre equivocadas. Para começar
com o tratamento da área como um cenário arquitetônico e não um bairro com a sua
riqueza cultural e complexidade socioeconômica e urbanística. Isto fica evidente
no fato da área ter sido transformada em um enclave turístico, administrado pelo
Estado -Ipac, Bahiatursa e Conder - dentro do território de Salvador, mas sem a
sua participação. A Prefeitura, por sua parte, sempre se esquivou de participar
desse processo e os PDDUs nunca definiram sua função no contexto urbano.
As experiências mais exitosas na América Latina e Caribe – Havana, Quito, Cusco,
Santo Domingo e Cartagena de Índias – se basearam na potencialização da
centralidade simbólica e cultural dos seus C.H. e na manutenção da sua
multifuncionalidade, com a restauração de cine-teatros, conversão de conventos e
palácios em centros de convenções, culturais e museus e recuperação das
habitações. Aqui ocorreu exatamente o inverso: retirada da administração
estadual, da universidade federal, dos serviços e dos habitantes para
folclorização do C.H., com a apresentação de shows e um artesanato de baixíssima
qualidade, mendicância do Pão de Santo Antônio e o anual carnaval da terceira
idade e São João na roça. Com a exclusão da população matou-se a economia local
e o patrimônio imaterial.
Para não irmos muito longe, a requalificação do C.H. do Recife, que sofreu um
esvaziamento semelhante ao de Salvador, vem sendo feita na linha dos
hispano-americanos: criação da esplanada do Marco Zero, um ícone de
centralidade, onde são realizados eventos políticos e culturais, a criação de um
polo de informática dos mais dinâmicos do país, do shopping e mega-livraria do
Paço da Alfandega e a recuperação do porto, com a instalação do terminal de
cruzeiros e centros culturais do Banco do Brasil, da Caixa e de outras empresas.
A atividade cultural do Pelourinho é muito pequena, e se deve exclusivamente a
comunidade negra, embora existam equipamentos fechados, que poderiam ser
convertidos em centros culturais e de congressos, como o Liceu, o Arcebispado e
os cines Pax, Exelsior e Jandaia. Quem viu o Pelourinho uma vez não vê novidades
em outras visitas. Decorem desse vazio funcional e cultural, da falta de
inserção na cidade e de visão política de uma capital as dificuldades de
acessibilidade e segurança, a poluição sonora, a miséria e a prostituição do
nosso Centro Antigo. A realização da 7ª etapa do projeto, que contempla a
reinserção da habitação, se arrasta ha dez anos. Para tirar o C.H. da letargia e
imprimir uma dinâmica urbana, não basta boas intensões, é preciso articulação
política, decisão e convocar toda a sociedade para salvarmos o que ainda resta
de nossa identidade.
SSA: 16/09/2012