Artigos de Jornal
O carro na frente dos bois
Em um desenho no Pif-Paf, há alguns anos, o genial Milor Fernandes apresenta
uma chácara com alvos desenhados a giz em troncos de arvores com balas cravadas
invariavelmente na mosca. Um visitante pergunta ao anfitrião como ele consegue
tal precisão. Ele responde: é simples, primeiro atiro depois desenho o alvo. É o
que se poderia chamar de inversão do rito. Por incrível que pareça uma inversão
de rito foi introduzida também nas licitações publicas da Bahia, ha mais de uma
dezena de anos. Primeiro se abre os envelopes de preços da obra, elege-se a
proposta mais barata e depois o envelope de qualificação da mesma. Não há mais
como desclassifica-la.
Com esta aparente lisura se contrata empresas sem especialização para realizarem
obras delicadas com os piores materiais, mão de obra e acabamento e a certeza de
que para a sua conclusão, dentro dos prazos políticos, será preciso fazer e
justificar vários termos aditivos ao contrato. Dentro deste panorama, o anuncio
do Estado de atualização, depois de duas décadas, de uma pesquisa sobre origem e
destino de viagens por usuários do sistema de transporte público em Salvador
encheu de esperança os especialistas por parecer uma tentativa de fazer a coisa
certa, diante do desastre a que chegou este serviço na cidade.
Tal pesquisa se torna imperativa diante da disparidade dos cálculos da
Prefeitura e do Estado da demanda de trafego da linha 2 do nosso metrô, cujo o
tramo inicial irá finalmente ser inaugurado levando torcedores internacionais do
Abacaxi para a destruída Estação da Lapa, durante a Copa das Confederações, para
acalmar a FIFA. Dessa pesquisa depende a viabilidade ou desempenho da futura
linha. Aliás, um sistema eficiente de transporte de massa pressupõe a integração
de metrô com linhas alimentadoras de ônibus, vans, ciclovias e deslocamentos à
pé.
Tem razão o colega Prof. Heliodorio Sampaio, autor de uma alentada tese sobre o
“desplanejamento” desta cidade, ao dizer que entre nós os políticos tomam a
decisão e depois contratam o “planejamento” para justificar a realização de
obras e concessão de serviços sem nenhuma racionalidade. É o que parece
acontecer com as obras do referido metrô, pois antes mesmo do inicio da
edificante pesquisa, já o Estado publicou o Edital de Concessão do Sistema
Metropolitano Salvador/Lauro de Freitas, que ninguém conhece.
Outro colega, o Eng. Eneas de Almeida Filho, Presidente do Departamento da Bahia
da Associação Brasileira de Engenheiros Civis, denunciou recentemente em artigo
neste jornal que o referido edital não exige dos concorrentes atestados de
qualificação técnica, mas apenas experiência financeira de investimentos em
empreendimentos de grande porte. Não importa a qualidade, senão o capital social
da empresa. É a inversão total do rito licitatório. Mão se poderia ser mais
explicito.
Se não bastasse, o candidato chapa branca a prefeito de Salvador vem anunciando,
candidamente, a solução para o complexo tráfego desta cidade: onze viadutos e um
túnel, esquecendo o metrô. Não é difícil imaginar de que cartola saíram tais
viadutos, que só servem a ligar um engarrafamento a outro, mas justificado por
“gerar empregos”. A solução não é fazer viaduto ou ponte para povão ou barão,
senão mudar o paradigma. Enquanto São Paulo e Rio de Janeiro planejam demolir
minhocões que só atrapalham e enfeiam a cidade, nós vamos construir onze
viadutos. A linha 2 do metrô corre, portanto, o mesmo risco da linha 1, levar
uma década para andar uma légua e não funcionar.
Neste quadro, prefiro botar minhas poucas fichas na proposta do Presidente da
FIEB, José Mascarenhas, que aparentemente não acreditando mais nessas soluções
mágicas, lançou em agosto passado o Instituto Movimenta Salvador, uma associação
civil sem fins lucrativos. “O movimento pretende ser indutor de inovação em
diversos níveis, inclusive na maneira de abrir a participação aos interessados,
estudar, conceber soluções, sugerir intervenções no espaço público, de forma a
possibilitar o enfrentamento das questões que afligem a todos”. A Tarde, 5/9/12.
Que assim seja!
SSA: A Tarde, 30/09/12