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Gentileza Urbana

  • 25 de Novembro de 2012

Falar de gentileza urbana numa cidade em que a violência é a norma, nas ruas, nos sons ensurdecedores, no transito, nas ações policiais, nas prisões e nas áreas verdes destruídas na calada da noite por ricos bulldozer men, pode parecer uma ironia. Mas há muitas ações positivas de indivíduos e associações tocadas pela solidariedade em beneficio da comunidade e pela melhoria da qualidade de vida em nossas periferias excluídas. Há inclusive empresários, embora raros, capazes essas gentilezas, mas elas são mais comuns entre a população pobre. Não é sem razão que associações de bairro só funcionam na periferia.

Ouvi certa vez Jaime Lerner, um dos criadores do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba IPPUC, depois prefeito e governador do Paraná, dizer que quando era prefeito da capital não inventava nada, apenas apoiava grupos sociais que se organizavam para realizarem determinados fins. Por exemplo, onde havia um grupo de surdos-mudos procurava saber o que eles precisavam, como bancos ou um toldo e mandava fazer. Infelizmente não é esta a atitude de todos os governantes.

Há uma década o jogador Vampeta, nascido em Nazaré das Farinhas, financiou a restauração do Cine Teatro Rio Branco naquela cidade. Vampeta não era um gestor cultural, senão um jogador que lutava para sobreviver nos bastidores dos nossos corrompidos clubes de futebol. Não tenho noticia de que tal equipamento tenha sido inserido em nenhum circuito cultural do Estado, provavelmente por não ser uma iniciativa de governo. Resultado, há um ano o cineteatro foi fechado. Condenava-se, assim, à ruina um monumento da cidade e priva-se a comunidade de uma atividade multicultural importante.

Dou outro exemplo. Um dia o colega Ruy Othake de São Paulo me telefonou dizendo que estava no Othon Palace e queria me encontrar. Fui até o hotel e encontrei Ruy acompanhado do Deputado Federal Cunha Bueno, quatrocentão e monarquista paulista. Da portaria do hotel víamos uma bandeira branca e enorme movimentação de pessoas sobre umas pedras à beira do mar de Ondina. Perguntando aos porteiros o que ocorria ali eles nos explicaram que era a piscina de “Seo” Oliveira. Fomos até lá e encontramos crianças, velhos e jovens que se banhavam alegremente nas aguas cristalinas e tranquilas de duas piscinas naturais diante de um mar agitado.

Conversando com os banhistas, soubemos que “Seo” Oliveira tinha trabalhado durante meses juntando pedras soltas, comprado com sacrifício sacos de cimento que eram traçados com a areia do mar para fechar duas bacias e criar aquelas belas piscinas. Não conheci “Seo” Oliveira, mas gostaria de lhe dizer que um arquiteto famoso português, Álvaro Sisa, havia feito o mesmo em sua cidade natal, o Porto, acrescentando inclusive banheiros e vestiários, mas com o apoio da municipalidade. Cunha Bueno se entusiasmou com o que viu, tomou o endereço de “Seo” Oliveira e disse que mandaria fazer uma bandeira com o escudo, coisa que ele bem entendia, da piscina. Imagino que o escudo teria uma pomba branca em campo azul com um ramo de oliva no bico voando sobre o mar. Se mandou ou não, não sei, mas gostaria de entrega-la a “Seo” Oliveira.

Poderia dar muitos exemplos de creches e bibliotecas em todo o Estado mantidas por donas de casas e aposentados em seus próprios barracos com enorme sacrifício e abnegação sem nenhum apoio do poder público. Visando incentivar iniciativas desse tipo, o Departamento de Minas Gerais do Instituto de Arquitetos do Brasil realiza anualmente, desde 1993, um concurso para premiar iniciativas dessa natureza. O Departamento do Ceará vem seguindo seus passos, ha meia dúzia de anos. Quando fui presidente do IAB-Ba tentei instituir o programa em Salvador, mas não consegui patrocinadores. Será que na Bahia só a violência dá Ibope à TV e aos jornais, fomenta a economia com a compra de blindados, armas, cercas eletrificadas, apólices de seguro e contratos milionários de empresas de segurança? Uma indústria “que tem dinheiro, mas não compra alegria”, como dizia Noel Rosa. Está na hora de mudar!

SSA: A Tarde, 25/11/12


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