Artigos de Jornal
Gentileza Urbana
Falar de gentileza urbana numa cidade em que a violência é a norma, nas ruas,
nos sons ensurdecedores, no transito, nas ações policiais, nas prisões e nas
áreas verdes destruídas na calada da noite por ricos bulldozer men, pode parecer
uma ironia. Mas há muitas ações positivas de indivíduos e associações tocadas
pela solidariedade em beneficio da comunidade e pela melhoria da qualidade de
vida em nossas periferias excluídas. Há inclusive empresários, embora raros,
capazes essas gentilezas, mas elas são mais comuns entre a população pobre. Não
é sem razão que associações de bairro só funcionam na periferia.
Ouvi certa vez Jaime Lerner, um dos criadores do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano de Curitiba IPPUC, depois prefeito e governador do Paraná,
dizer que quando era prefeito da capital não inventava nada, apenas apoiava
grupos sociais que se organizavam para realizarem determinados fins. Por
exemplo, onde havia um grupo de surdos-mudos procurava saber o que eles
precisavam, como bancos ou um toldo e mandava fazer. Infelizmente não é esta a
atitude de todos os governantes.
Há uma década o jogador Vampeta, nascido em Nazaré das Farinhas, financiou a
restauração do Cine Teatro Rio Branco naquela cidade. Vampeta não era um gestor
cultural, senão um jogador que lutava para sobreviver nos bastidores dos nossos
corrompidos clubes de futebol. Não tenho noticia de que tal equipamento tenha
sido inserido em nenhum circuito cultural do Estado, provavelmente por não ser
uma iniciativa de governo. Resultado, há um ano o cineteatro foi fechado.
Condenava-se, assim, à ruina um monumento da cidade e priva-se a comunidade de
uma atividade multicultural importante.
Dou outro exemplo. Um dia o colega Ruy Othake de São Paulo me telefonou dizendo
que estava no Othon Palace e queria me encontrar. Fui até o hotel e encontrei
Ruy acompanhado do Deputado Federal Cunha Bueno, quatrocentão e monarquista
paulista. Da portaria do hotel víamos uma bandeira branca e enorme movimentação
de pessoas sobre umas pedras à beira do mar de Ondina. Perguntando aos porteiros
o que ocorria ali eles nos explicaram que era a piscina de “Seo” Oliveira. Fomos
até lá e encontramos crianças, velhos e jovens que se banhavam alegremente nas
aguas cristalinas e tranquilas de duas piscinas naturais diante de um mar
agitado.
Conversando com os banhistas, soubemos que “Seo” Oliveira tinha trabalhado
durante meses juntando pedras soltas, comprado com sacrifício sacos de cimento
que eram traçados com a areia do mar para fechar duas bacias e criar aquelas
belas piscinas. Não conheci “Seo” Oliveira, mas gostaria de lhe dizer que um
arquiteto famoso português, Álvaro Sisa, havia feito o mesmo em sua cidade
natal, o Porto, acrescentando inclusive banheiros e vestiários, mas com o apoio
da municipalidade. Cunha Bueno se entusiasmou com o que viu, tomou o endereço de
“Seo” Oliveira e disse que mandaria fazer uma bandeira com o escudo, coisa que
ele bem entendia, da piscina. Imagino que o escudo teria uma pomba branca em
campo azul com um ramo de oliva no bico voando sobre o mar. Se mandou ou não,
não sei, mas gostaria de entrega-la a “Seo” Oliveira.
Poderia dar muitos exemplos de creches e bibliotecas em todo o Estado mantidas
por donas de casas e aposentados em seus próprios barracos com enorme sacrifício
e abnegação sem nenhum apoio do poder público. Visando incentivar iniciativas
desse tipo, o Departamento de Minas Gerais do Instituto de Arquitetos do Brasil
realiza anualmente, desde 1993, um concurso para premiar iniciativas dessa
natureza. O Departamento do Ceará vem seguindo seus passos, ha meia dúzia de
anos. Quando fui presidente do IAB-Ba tentei instituir o programa em Salvador,
mas não consegui patrocinadores. Será que na Bahia só a violência dá Ibope à TV
e aos jornais, fomenta a economia com a compra de blindados, armas, cercas
eletrificadas, apólices de seguro e contratos milionários de empresas de
segurança? Uma indústria “que tem dinheiro, mas não compra alegria”, como dizia
Noel Rosa. Está na hora de mudar!
SSA: A Tarde, 25/11/12