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Grosseria Urbana

  • 09 de Dezembro de 2012

Não é somente uma questão estética, mas de agressão à natureza e ao bom senso algumas obras públicas realizadas em nossa cidade. O mini-metrô perna-de-pau é talvez o exemplo mais ilustrativo. Por que seu sobe-e-desce manco e aquela subestação elétrica no canteiro central da avenida? Outro exemplo é a recém-inaugurada Via Expressa, com cortes enormes e viadutos embaralhados de concreto e de ferro, estes aparentemente aproveitados de alguma ferrovia desativada. Obras inócuas, que desfiguraram dois belos vales piorando o tráfego no nível do solo e dificultando a realização de um verdadeiro transporte de massa no futuro. Mas vou me deter em uma obra ainda em andamento.

Placas de “Obras de Macrodrenagem da Av. Vasco da Gama e Lucaia” foram colocadas nas extremidades da antiga linha de bondes do Rio Vermelho de Baixo, que corria à margem do Dique do Tororó e se continuava por uma floresta em galeria até desembocar no azul da Mariquita. Segundo a propaganda oficial não é só drenagem, mas “requalificação” da avenida como preparativo para a Copa de 2014. Trata-se, portanto, de obra dos Governos Federal e Municipal. Com tão alto patrocínio imaginava que fosse ser feita a coisa certa: o Lucaia saneado com calha escalonada para absorver as cheias, um VLT sobre uma de suas margens gramadas, pistas exclusivas de ônibus e bicicletas, passeios largos, redes subterrâneas de agua, eletricidade, telefone e gás em uma galeria de serviços e revestimento florístico como fazia Guillard Muniz, há 50 anos.

Infelizmente nada disso aconteceu, senão um reles enterro do Lucaia com colocação de um carpete impermeabilizante de asfalto no fundo do vale para os “coletivos” do SETPS. O que se está fazendo ali é discretamente jogar o lixo para debaixo do tapete. Explico: como não existem redes coletoras nas vertentes do vale, os esgotos de suas casas são lançados in natura ou entroncados nas redes de aguas pluviais, que serão ligadas à nova cloaca que substituiu o rio, que passa a ser morto. O que sobrou do Lucaia conduzirá o precioso liquido para a Mariquita, onde se encontram uma colônia de pescadores, um mercado de peixes e da boemia e ali perto os melhores hotéis da urbe.

Como o recolhimento de lixo é precário, muitos dejetos sólidos e pastosos irão para a cloaca de fundo chato, o mais inadequado para uma galeria desse tipo, e se depositarão em seu leito de difícil, senão impossível limpeza. A maioria dos leitores não vê o que corre no subsolo, mas sentirá seu efeito em nossas praias. Mas outros efeitos são visíveis. Dezenas de arvores foram sacrificadas e outras tantas, as mais frondosas e antigas, mutiladas bárbara e inutilmente. Pergunta-se, quem elaborou tal projeto, licenciou e fiscaliza sua execução? As obras da Av. Vasco da Gama, como as demais citadas, espelham o desmonte dos órgãos técnicos, o desastroso aparelhamento partidário e adoção de projetos elaborados por empreiteiras interessadas.

Há um mês, a Federação das Indústrias do Estado da Bahia realizou um seminário sobre mobilidade em Salvador convidando urbanistas como o catalão Manuel Herce e o presidente do IAB/Brasil, Sergio Magalhães. Ambos insistiram que obras para carros é dinheiro jogado fora e só servem para complicar o trafego. Os conferencistas confidenciaram a colegas baianos que ficaram pasmos com os projetos rodoviários dos anos 60 que se está fazendo em Salvador, sem nenhum planejamento, quando em todo o mundo se está tirando viadutos e reabrindo os rios. Não sei se algum deles passou pela Av. Vasco da Gama, mas ficaria chocado com a barbárie que fizeram com suas árvores centenárias.

Comparem-se estas obras grosseiras com as que se fizeram em Salvador, na primeira metade do século passado, como o quebra-mar de cantaria que abraça o forte marinho, o Elevador Lacerda e as avenidas Oceânica e Centenário e no Rio de Janeiro o Parque do Flamengo, o alargamento de Copacabana e a Cidade Nova projetadas pelos melhores engenheiros, arquitetos e paisagistas brasileiros. Planejar é um ato politico e não pode ser delegado ou apropriado por privados.

SSA: A Tarde, 09/12/12


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